Reforços que não vieram, pois grande parte do contingente estava noutro lado da cidade controlando a rebelião do Cadeião Tupinamba, uma penitenciária flutuante de segurança máxima que abriga índios não civilizados de alta periculosidade que cometeram seqüestros relâmpagos, estupros, assassinatos, estelionato, cárceres privados, roubos a bancos, tráfico de drogas e de influência, venda de diamantes e devastação da floresta.
- Sargento, nenhuma viatura dará apoio, nem as kombis do IML podem vir aqui. Informaram que estamos por conta e risco.
- Puta que pariu! Só me faltava essa. Controlar confronto entre evangélicos e protestantes. Primeiro uma degola e agora uma Cruzada. Da guilhotina à espada. Essa porra de dia promete!
E nenhum apoio viria, pois o Cadeião longe dali estava um pandemônio. Os nativos do descobrimento haviam feito índias, pajés, curumins, caciques e todo tipo de caboclo de reféns, inclusive uns carcereiros de Brasília que, segundo os índios, seriam os primeiros a serem torrados vivos em cobertores caso suas exigências não fossem atendidas. Coisa de revanchismo pesado!
- Mas quais as exigências desses silvícolas, soldado Palikur?
- São várias Coronel Jader. Querem TV de Plasma para assistir aos jogos da Copa, cerveja Bhoemia tipo Abadia, torresminho crocante, amendoim descascado, ampliação do horário de visitas íntimas e centrais de ar de 12.000 BTU´s por cela. Não querem mais aqueles aparelhos que fazem barulho...
- O que? Centrais de ar?
- E tem mais! Não querem mais comer índia não. Dizem que esse negócio de rangar índia é coisa de onça na selva. Exigem que forneçamos piranhas profissionais nas visitas íntimas.
Os índios sabiam muito bem o que queriam, afinal numa Zona Franca amazônica, descolar TV de Plasma e pescar piranha fresquinha era coisa fácil. Ainda mais porque piranha dá em qualquer lugar e não faria cu doce para curtir um verdadeiro descendente do Pau-Brasil. E ao contrário dos manauaras, índio traça piranha, caldo de piranha e até macaco que estiver no pau.
- E na bundinha esses depravados não querem nada?
- Querem sim Coronel. Mas isso quem quer são os cortadores de churros. Exigem implante de silicone nas nádegas chatas, permanente e reflexo nos cabelos lisos...
- Até as bichinhas do mato querem algo?
- Sim senhor, Coronel. Exigiram a presença íntima de estivadores do porto sete vezes por semana. Dizem que não agüentam mais ter que ficar abusando sexualmente de macacos-prego, visto que seus colegas de cela só gostam de coçar o saco, tomar cerveja e assistir TV.
Fosse na floresta do Congo, teriam pelo menos gorilas enormes ao invés de pintos de sagüis para dar ré no cocô e escovar os dentes.
- Índio viado! Só falta índizona?
- Calma Coronel. Essa rebelião já foi controlada semana passada no Presídio Caranguejeira Máxima para detentas de alta periculosidade e baixa feminilidade...
- As feias de doer! Sei, sei! Aquela desordem controlada com o auxílio das militantes do movimento de preservação das periquitas, pererecas, pacas e aranhas nativas.
- Exatamente! As companheiras daquelas feministas que batalharam a vida toda para trabalhar fora só para poderem usar a licença maternidade para ficar mais tempo
Mas longe dali o negócio continuava feio, pois a GALERA mobilizada ainda queria invadir o templo e fazer crente rezar a santa missa. Tudo por causa de um “SSHHHHHH” desajeitado.
- Acalmem-se irmãos. Não propaguem a violência. Paz e amor! Só pedi um pouco de silêncio para realizar nosso culto.
É claro que, imediatamente, o pastor foi esquartejado.
- Culto a puta que o pariu!
O tenente coçou a cabeça. Não é que ele estivesse pensando em nada, era apenas um problema antigo de seborréia, mas o sargento ficou achando que o tenente estivesse tendo mais uma de suas idéias mirabolantes, no que não estava totalmente errado.
- O senhor não acha que tudo isso acontecendo ao mesmo tempo pode ser uma espécie de sinal, sargento?
- O quê, tenente?
- Um sinal.
- Ah. Um sinal.
- É. Veja bem. Pastores sendo esquartejados. Rebeliões silvícolas
- E um sinal exatamente do quê?
- Que tal do Final dos Tempos?
- O Final dos Tempos?!?!?
- É, o Final dos Tempos, o que há de tão espantoso nisso? Se os Tempos começaram, uma hora ou outra eles têm que acabar.
- Mas, caramba, será que Os Tempos tinham que acabar justo no meu plantão?
O tenente enfiou suas mãos no bolso do terno e olhou em direção à mata. O vento bateu em seus cabelos, que ondularam como as folhas de salgueiros. O tenente colocou uma perna um pouco à frente, tentando imitar Clark Gable em “...E o Vento Levou”, mas se desequilibrou e teve que se pendurar no ombro do sargento. O sargento cuspiu de lado e suspirou:
- Hum... tudo bem, tenente?
- Tudo, tudo.
- Precisa de alguma ajuda.
- Não, não, pode deixar.
- Bem, e agora, o que faremos?
- O senhor faça o seguinte. Volte para a Chefatura e entre em contato com outras forças policiais.
- Chefatura?
- É, Chefatura.
- Mas o que é uma Chefatura?
- É a mesma coisa que delegacia, só que mais chic.
- Hã, certo.
- Então, o senhor volte para a Chefatura e descubra se essas coisas esquisitas estão acontecendo somente aqui,
- Uma espécie de Armagedom.
- Armagedom! Isso mesmo, sargento! Como é que eu não me lembrei da palavra antes? O Armagedom!
- Bem, e se for o Armagedom, o que é que eu faço?
- O senhor eu não sei. Mas eu vou conhecer a Disneylândia. Eu não vou morrer sem conhecer a Disneylândia.
Armagedom ou não a situação estava realmente feia, pois nunca havia acontecido tanta coisa ao mesmo tempo no pacato rincão ribeirinho amazônico, a não ser na época da instalação de fábricas e mais fábricas de tecnologia de ponta e montagem de motos nacionalizadas com peças importadas. Um luxo da dita dura.
- Temos que dar graças aos americanos, sargento!
- Eu sei imbecil. Por isso disse que vou para a Disneylandia e não ao Beto Carrero World ou Playcenter. Até daria para encarar o Beach Park, mas não gosto de nada nacional.
- Não me refiro a isso sargento. Falo sobre o Armagedom.
- E o que os americanos tem a ver com Armagedom? Tenente, você ainda faz uso de drogas? Está querendo dizer o que?
- Não, não! Já parei com as drogas. Só não consigo me livrar da minha sogra, mas o fim dela está próximo...
Ao contrário do que pregam milhões de piadinhas sem graça sobre sogras perversas, maldosas e intrometidas, são poucos, mas muito poucos, quase raros os genros que não gostam da sogrinha do coração. É praticamente impossível não gostar dessas santas entidades carismáticas dedicadas ao eterno bem-estar do adorável e idolatrado marido da filha, pois toda boa mãe da esposa sempre trata o genro com dúzias de agrados, carinhos sem fim, quitutes maravilhosos e uma completa isenção na vida do casal. Quem não tem uma sogra maravilhosa assim? Mas o tenente não possuía essa benção do céu. Não compartilha da dádiva Divina.
- O que eu quis dizer, sargento, é que os americanos resolverão o problema do Armagedom. Eles sempre resolvem tudo...
- Agora é minha vez. Não, mil vezes não! Você anda cheirando sua sogra e não minta. Primeiro aquela história de onça degoladora e agora americanos salvadores do planeta. De onde surgem essas idéias mirabolantes?
Certamente o sargento não ia num cinema ou assistia aos filmes de Holywood na TV há muito tempo. Como pode um homem da lei contestar o poder norte-americano na salvação do planeta?
Se existia uma certeza que o tentente tinha na vida é que podia contar com nossos brothers para o que der e vier, pois já havia computado nas telas umas dez libertações de invasões de ETs perversos e malvados que queriam comer gente, escravizar humanos e sugar nossas fontes de energia, uns dois impactos profundos de extermínio total que não aconteceram por conta de kamikases nucleares americanos, isso sem contar a cruzada contra o terror mundial e o incessante controle da autonomia de países que não tem a mínima capacidade psicológica para deter a tecnologia atômica. O que seria da humanidade sem nossos compatriotas dedicados ao bem-estar da humanidade?
- Os americanos são meus heróis sargento. Desde a época da colonização de Daniel Boone até a conquista do oeste selvagem de John Wayne, sempre nossos amigos ao norte defenderam os mais fracos e oprimidos da crueldade de milhares de apaches revoltados, com sei lá o que, e chegados num escalpo de pobres famílias em busca do sonho de liberdade...
- Que merda toda é essa? De detetive passou a historiador?
- Nada disso sargento! Só estou comovido com sua escolha pela Disney ao invés dos preços abusivos do turismo local antes da hipótese improvável de acabarmos extintos como os dinossauros.
- E precisava falar toda essa baboseira em meio a uma praça em guerra? Não está vendo essa barbárie toda e ainda nem resgatamos aquela maminha que aguarda o rabecão lá no canal...
- Maminha? Não sabia do churrasco?
- Aquela presunta degolada sua anta!
- Mas sargento...
- E não bastasse ela ainda temos esse ex-evangélico que agora escuta pregações diretamente na origem.
- E o senhor esqueceu da rebelião do presídio flutuante.
- Ainda mais essa para me azarar!
Mas a rebelião estava sob certo controle, pois a fortaleza flutuante, como era conhecido Cadeião Tupinambá, oferecia realmente máxima segurança. Nenhum nativo jamais conseguira fugir de seu interior, pois mesmo que quisessem, estariam cercados de cachoeiras traiçoeiras, rodamoinhos estonteantes, areias movediças engolidoras, pedras pontiagudas cortantes, cactus venenosos, cipós enforcadores, crocodilos famintos, piranhas de toda ordem e cobras de toda espécie. Isso sem contar as dúzias de helicópteros APACHES armados até os dentes que guardavam o espaço aéreo e dois batalhões do exército venezuelano que faziam campana na fronteira só esperando um sinal de invasão.
- Sargento, o que devemos fazer para controlar esse conflito entre evangélicos e protestantes que ainda não acabou, mesmo depois que transformaram o pastor em Tiradentes?
- Primeiramente vamos dar uns tiros para cima para fazer um pouco de barulho e torrar um pouco do erário, até porque precisamos usar essas balas antes do prazo de validade.
- E depois sargento, o que faremos?
- Bem! Devemos voltar de onde começamos, pois essa porra está ficando complicada demais para seguirmos adiante...
- Mas justo agora que eu ia começar a falar das tribos indígenas que habitavam o Brasil e não foram salvas de outros cataclismos justamente porque não existiam os americanos?
- Puta merda! Pare de cheirar sua sogra rapaz.
- É sério sargento. Não me diga que, como amazônida que é, nunca escutou falar na tribo que encolhia crânios em seus ritos sagrados para ofertá-los aos espíritos da boa colheita e da potência sexual masculina? Dizem que sabiam diminuir cabeças e aumentar outras partes do corpo. Que tal sargento?
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