Capítulo 00010011

Ainda sobrevoavam Brasília em círculos concêntricos e redondos a observar aquela convulsão social que tomava toda a cidade. Parecia um quadro miscigenado de Dali, Miro e Picasso em movimento estonteante. Uma expressão surrealista 3D incompreensível acontecendo bem diante de seus olhos e abaixo de seus pés. Um desenho de Walt Disney dirigido pela contestadora e capitalista DreamWorks de anti-heróis nojentos e repugnantes, mas que atraem a criançada... Mas por que estou a dizer isso?

- Tenente? Se estou certo e acho que estou, pois sempre estou, o negócio é o seguinte. Nos transformamos em nossos maiores medos e repulsas. Assim, The Jackson deve ter virado negão...

- Afro-descendente Sargento. O senhor que me ensinou. Mas como é que é essa história?

- Sei que isso parece enredo barato de escritores a procura da fama, do reconhecimento internacional e da conversão de seu livro num filme de sucesso, mas não existe outra explicação...

- Existe sim! Maconha, excesso de maconha. Esses tais escritores os quais o senhor se referiu, devem ter injetado doses maciças de drogas pesadíssimas no corpo. Se isso que está acontecendo fosse obra de ficção, não ganhariam um Pulitzer, quanto mais um Oscar. Escritores!

- Mas tudo tem sentido. Todos têm seus medos. O que é uma roda gigante viva, ou um SEDEX com sentimento?

- Ih! O Senhor também andou usando maconha?

- Não meu rapaz. Preste atenção! Eu não gostava de tapetes pois, quando criança, escorreguei numa passadeira que ficava sob o assoalho encerado do corredor principal da minha casa e quebrei oito dentes da boca... Tá vendo esse pivô aqui? Olhe essa ponte do outro lado...

- Calma Sargento. Não dá para ver nem sua boca, quanto mais um pivô e uma ponte. Mas entendo sua teoria. Minha mãe me vestia de menina até meus doze anos. Não me pergunte por que, pois nem ela me explicou antes de morrer.

- Caracas! Essa eu não sabia. E quando você resolveu isso?

- Depois da minha primeira menstruação...

- Ops! O que?

- Brincadeira! Resolvi da maneira mais simples possível. Deixei de ser a menina ingênua e passei a ser o rapazinho come coleguinha de escola. Tá certo que no começo não foi fácil, mas depois que peguei jeito e elas pegaram de jeito foi mole. Digo, duro. Mas nunca gostei de mulheres. Fazia isso para me vingar da minha mãe paranóica... Mulher bonita então, cruzes! Isso porque minha mãe sempre me dizia que eu parecia uma princesa lindinha.

- Tá vendo como estou certo. Isso explica parte de sua boiolagem, mas comprova totalmente minha teoria.

- E a roda gigante e o SEDEX são o medo de que?

- Sei lá oras. Não é porque eu dou a deixa e penso na teoria é que tenho que saber todas as respostas. Sei lá! Vá ver que a roda gigante era um ... e o SEDEX sempre chegava atrasado na escola e levava a maior chupada.

- Mas SEDEX usa selo. Devia ser lambida...

- A não! Polemizar novamente não! Você falando essas asneiras, parece eu a conversar comigo mesmo...

Enquanto continuavam a circular Brasília num looping contínuo com o objetivo de esvaziar os tanques de combustível para um eventual pouso de emergência, o resto do mundo entrava em colapso. Estivesse certa a fantástica teoria criada pelo Sargento, todas as pessoas estavam sendo vitimadas pelos seus próprios medos, angústias ou qualquer outra coisa da mesma ordem. O certo é que o planeta estava uma desordem. Um caos. Longe daquele recanto no universo que vivia em paz e harmonia até antes do cataclismo nuclear amazônico.

- Vou fazer um teste Tenente. Vou tentar introspectar para ver se minimizo meu ódio por tapetes e ver o que acontece. Faça a mesma coisa com seu nojo por mulheres. Se eu estiver correto, começaremos a voltar o que éramos antes.

- Mas e sua prima que estuda na Unicamp? Não podíamos ir atrás dela?

- Não acho uma boa idéia. Ela deve estar meio fedida, afinal ela nunca gostou de merda depois que provou quando era criança. Tinha verdadeiro pânico por coco, tanto que vivia a tomar laxantes só para não encarar uma bosta inteira boiando no vaso antes de dar a descarga.

- Então ela...

- Certamente merdeou. E deve estar muito puta com isso. Não serei eu a esbarrar naquela merda. Vamos tentar...

- Tá bom! Farei força para acabar como minha raiva feminina.

E assim começaram. Um meditava em voz baixa tentando afastar os pensamentos insanos acerca de tapetes persas e outros sintéticos que fazem escorregar e cair de bunda no chão. O outro, mais indiscreto e extravagante, gritava mantras e pedia proteção divina para encarar mulheres numa boa...

- EU AMO AS MULHERES. EU AMO AS MULHERES. EU AMO AS MULHERES...

- Ame mais baixo porra. Assim você está me desconcentrando.

- Olha Sargento! Posso estar atrapalhando, mas sua reza é mais forte, afinal começo perceber a estampa de seu rosto substituindo essa padronagem persa

- E seu mantra também não é dos piores, pois a Ana Paula começa a te abandonar e você começa a ficar parecido com a Regina Case. Digamos que você precisa “AMAR AS MULHERES UM POUCO MAIS”...

- Acho que sua transformação está mais forte sargento, pois aquele novelinho de lã abaixo de mim está um pouco mais consistente. Diria até mais durinho...

- Ipi Ipi Urra! Está dando certo. Estou voltando! Sinto isso.

- E eu sinto que estamos começando a perder altitude, afinal estamos voando e não é providencial o senhor deixar de ser um tapete voador numa altura dessas...

- EU ODEIO TAPETE. EU ODEIO TAPETE. EU ODEIO TAPETE. Você está certo... EU ODEIO TAPETE. EU ODEIO TAPETE. EU ODEIO TAPETE. E ai como está?

- O novelinho diminuiu!

- Então vamos pousar e tentar novamente.

- Tudo bem! Mas vou continuar meu mantra para voltar a ser o velho e bacana Tenente, afinal eu estou em cima do senhor... Não preciso voar.

- Nananinanão! Continue odiando até chegarmos no solo, afinal quero me despedir da Aninha em grande estilo. Vou dar a última voada com a Arosio trepada em mim...

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