A ordem de desvio de rota foi em vão, pois mais um abrupto sumiço inexplicável acabara de acontecer na região das Bermudas e em nada tinha a ver com castração ou operação extirpadora de mudança de sexo. Algo bem maior desaparecerá bem diante dos radares soviéticos. O Tupolev Outubro Vermelho literalmente não fazia mais parte do patrimônio da ex-URSS, assim como outras ogivas nucleares a armamentos portáteis de ataque desviados em triângulos comerciais escusos.
- Pronto, me lasquei! – exclama o Batman Soviet – Agora terei que preencher pilhas e pilhas de formulários para explicar a destruição e desaparecimento de aeronaves da força russa.
- Verdade Comandante!
- Pior ainda. Terei que explicar que não sabíamos que a FAB era foderosa, apesar da KGB, RBD, RBK e outras agências de espionagem. Esses brasileiros esconderam o peixe durante anos. Se fizeram isso com Tucanos, imagine o que podem fazer com submarinos Peixe-Boi ou tanques Brucutus. Devemos repensar nossa estratégia de ataque amazônico com nossos amigos de turbante. Não será tão fácil quanto imaginávamos...
- ... Sargento! O senhor está ficando verde!
- Pare com isso! Não me assuste. Deve ser reflexo da mata, afinal você também está verde...
- Sim! Quero dizer. Não! Está realmente verde Sargento.
- Você também bobão! Está verdinho! Mas é a mata. Estamos tomados de verde por todos os lados. Sem falar naquela montanha de grilos que começou a novamente se aproximar.
O que ambos não sabiam era que a plantação geneticamente modificada havia sido borrifada com centenas de litros de defensivos agrícolas na tarde anterior de sua chegada e provavelmente quando capinaram com seus facões para criar a clareira, liberaram no ar vários princípios ativos tóxicos que foram sugados pelos seus pulmões e que agora começavam a agir impiedosamente.
- CACETE SARGENTO!
- PUTA QUE PARIU TENENTE!
- Está vendo o que estou vendo?
- Obviamente não, pois eu não sou você. Mas se estou vendo o que você está, estou vendo algo que não queria ver e certamente estou como não queria estar.
- Então está vendo.
- TÔ!
- Fomos envenenados Tenente!
- Eu disse para não comermos aquelas conservas fora do prazo de validade. Agora estamos intoxicados.
- Mais ou menos!
- Hã!
- A Hã está bem!
- Não! Sabe? Aquela expressão. Hã ou Ah! Entendeu?
- Ah! Entendi. Mas a Hã continua bem.
- Mas e a gente? É impressão minha Sargento ou estão crescendo folhagens pelo nosso corpo?
- Você está brotando Tenente. Só não consigo identificar em que espécie de planta que você está se transformando.
- Tomara que eu seja uma rosa Sargento. Adoro rosa.
- Seja homem Tenente! É só marcar e sempre cai na boiolagem.
- Sabe como é Sargento. Verde e rosa combinam! Sou Estação Primeira de Mangueira desde criancinha...
- Acredito. Devia viver na trepado na mangueira...
Brota daqui, brota dali. O Tenente acabou se transformando na Gisele Bündchen.
- Mas o que é isso, tenente?
- Você viu só, que coisa?
- Mas porque diabos nós todos estamos nos transformando em coqueiros, ipês, samambaias e brócolis... e o senhor se transformou na Gisele Bundchen?
- Bündchen. Com trema.
- Certo, Bündchen.
- Bem, eu imagino que é porque cada um foi afetado ao seu modo. Um brócolis também não tem nada a ver com um coqueiro, oras, além de ter certas partes verdes. E eu posso até ter certas partes verdes também. Eu ainda não me investiguei toda. Quer dizer, todo.
- Tudo bem, eu até que não estou achando de todo mal.
- Sai pra lá, cabo. Mais respeito. Eu ainda sou seu tenente.
- Falando em cabo, o senhor já investigou se...
- Se o que, sargento?
- Bem, seu ELE ainda está aí.
- Ele quem?
- ELE, você sabe...
- Ah, ELE? Bem, deixa ver... Puts!
- O que foi tenente?
- Bem, eu acabei de descobrir duas coisas. Sim, de certa forma, ELE ainda está aqui. E a segunda é que eu também fiquei com uma parte verde. Pra te falar a verdade, é um pepino.
- Credo, que coisa horrível. E eu que já estava até gostando de ter a Gisele como companheira de viagem...
- Bem, você também não está lá essas coisas sargento. Já se olhou no espelho ultimamente?
- Nem vou olhar. Agora, uma coisa eu sei. Esses caras vão me pagar! MERDA, atenção. Antes que criemos raízes, vamos partir logo. Você aí, samambaia. Pára de ficar roçando no tenente, pegue suas coisas e vamos. Ô coqueiro, se agacha um pouco aí que essa ainda é uma missão secreta. Gisele, vamos!
- Pra onde, tenente?
- Pra lá. Ontem à noite, durante aquele foguetório, eu percebi umas luzes saindo da terra. Pareciam holofotes.
- Ah, eu acho que vi também! Tinha uma que até parecia aquele holofote que chama o Batman, sabe? Com um morcegão no meio... Eu achei que estava delirando...
- É, mas não estava. Eu também vi. Vamos, Ainda temos muito que caminhar.
* * *
Não passou muito até começarem a descobrir pedaços de aviões espalhados pela plantação. E pedaços de outras coisas também. Aos poucos, os transfigurados membros da MERDA foram percebendo que não eram fogos de artifício na noite passada, afinal de contas. Mas uma batalha aérea das mais sangrentas.
- Puxa vida, sargento... A coisa está mais feia do que imaginamos.
- O quê, tenente?
- A coisa está feia.
- Fala mais alto, tenente. Acho que meus ouvidos se transformaram em bromélias.
- A COISA ESTÁ FEIA!
- É, aqui tem pedaço de avião de tudo que é país. Parece que estamos sendo invadidos.
- Mas quem é que ia querer invadir esse lugar empesteado?
- Eles não sabem que está empesteado, tenente. Para falar a verdade, eu acho que só nós mesmos sabemos.
- Nós e aqueles caras ali, ó.
- Caras, que caras?
Quando olharam para trás, tiveram uma visão aterradora. Parecia que estavam sendo atacados por um jardim. Ou uma horta. Eram dezenas de palmeiras imperiais, pés de alface, chicórias, almerões, orquídeas, manjeronas, jequitibás, ipês roxos, sucupiras, jaborandis e um Leonardo DiCaprio carregando um Junco à vela. Quando se depararam com a MERDA, porém, em vez de atacarem como fizeram os grilos, estancaram. Um tomateiro cheio de tomatinhos vermelhos estendeu uma bandeirinha branca e tomou a frente daquela salada toda. Ele e o Leonardo DiCaprio se aproximaram. Olharam para a Gisele e para a samambaia. E resolveram falar:
- Тем но разным человека раздутое, нет не итак компанию.
- O quê?
- Раздутое премирования все бы.
- Puts, pra mim esse cara tá é falando russo.
- Заключалась стратегические но нее
- Cacete, e agora?
- Sei lá, ninguém aí sabe falar russo? Hã?
Aí a Hã se aproximou dos varas e falou:
- Над ты меня обеда?
- Olha, a Hã fala!
- E Fala Russo!
- Ô Hã, mas porque você nunca disse que sabia falar?
- Fiquem quietos e vê o que os caras estão tentando dizer...
- того насколько за giselle вам.
- Eles estão dizendo se não dava pra Gisele dar um autógrafo.
- Fala que ele não é a Gisele nada, é só tenente...
- Оркестра люситовую то gisele...
- миф, кто языке окончил на. Их том есть хороший успехов. Вам несколько собственного на, мог на программистов консалтинговые!
- O que foi que eles disseram? O que foi que eles disseram?
- Eles disseram “ MERDA!”
- Puts, esses russos filhos da puta já descobriram nossa identidade secreta! Fogo neles!
Foi um massacre. A MERDA descarregou todo sua artilharia pesada em cima dos coitados dos russos. O que sobrou não dava pra fazer nem uma saladinha de desjejum. O Leonardo DiCaprio foi o último a morrer, e o tenente não conseguiu deixar que uma lágrima escorresse por seu belo rosto.
- Que que é, gente? Nunca viram um homem chorar não?
- É... Eu sei como é, tenente... Como é mesmo aquele ditado? Amor de pica fica? Ahahahahaah
- Cala a boca, seu cabinho idiota...
- Quietos, quietos! Todo mundo agachado!
- O que foi agora, sargento?
- Eu acho que com essa barulheira toda, acabamos nos revelando para o inimigo! Olhem lá!
Uma poeira se levantava no horizonte. Aos poucos, algumas formas foram se revelando. Formas estranhas, antinaturais, cortavam o ar como por mágica, rasgando seu caminho pelo meio da plantação ressecada de soja. Ninguém queria acreditar no que estava vendo. Eram Kombis. Vinte ou trinta delas. Dirigidas por asiáticos. Pareciam... pareciam...
- Puts! Então é aqui que esses japoneses compram as verduras pro CEASA?
- Pshiu... Você não está percebendo, tenente?
- Mas percebendo o quê?
- O plano! Eu acabei de descobrir todo o enigma!
- Enigma? Ah, o enigma...
- Eles estão se disfarçando de feirantes! E vão distribuir toda essa verdura contaminada para o Brasil! Todo mundo vai sofrer terríveis modificações genéticas!
- Nossa... E no que será que o Brasil vai se transformar?
- Sei lá, pode se transformar aí num Haití! Ou num Paraguai!
- É, mas olhando assim aí, pra Gisele, o Brasil também poderia se transformar numa Suíça, não podia?
- Bem... É, pensando bem, acho que podia...
- Então, será que não é melhor a gente deixar a coisa como está e...
- Não! De modo algum! Eu não vou deixar ninguém transformar o Brasil em nada que ele não queira! Vamos nos esconder e tentar pegar esses japoneses numa tocaia!
E eles se abaixaram e ficaram vendo aquela frota de kombis se aproximando, se aproximando....
- Psiu! Tenente! Está me ouvindo?
- Fala, Sargento. Mas por que falar baixo e se esconder depois daquela barulheira toda? Certamente já sabem que estamos aqui.
- Pelo jeito você nunca andou de Kombi. Aquele carro faz mas barulho dentro do que fora. É claro que não nos escutaram.
- Então tá! Mas então, o que o senhor queria?
- Sei lá! Queria conversar com alguém antes que a transformação se completasse e eu não pudesse mais falar.
- Não fale assim, Sargento. Deve haver um antídoto.
- Eu sei, eu sei! Mas talvez seja tarde. Primeiro ELE virou um pepino. Agora sinto um nabo tomando conta de mim por trás. É desesperador.
- Não fique assim, Sargento. No começo a gente estranha, mas depois acaba gostando.
- É, pelo jeito você realmente gosta de verdura né, Tenente?
- Adoro!
- Mas não é isso que queria falar.
- Então é o que?
- Sabe, vendo aqueles japoneses ali, colhendo frutas e verduras fresquinhas de um pasto que só contém soja, isso está me deixando intrigado.
- Como assim?
- Sei que existe leite de soja, carne de soja, bolacha de soja, mas será que o mundo se artificializou tanto que já existem verduras, frutas e legumes de soja? Isso é terrível.
- Não é que o senhor tem razão? Pode crê! O mundo está virando soja e a gente nunca pensou nisso.
- Verdade! O Pantanal virou soja, o Cerrado está virando soja, a Amazônia vai no mesmo caminho e acho que tudo virará soja. Se é que já não virou e estamos vendo miragem.
- Não acredito senhor. Mirage é coisa da FAB.
- Disse miragem. Acho que nada daquilo que vemos é realmente o que vemos. Olhe você. Não é a Gisele, mas é...
- Sargento, acho que seu cérebro está sendo tomado por folhas de coca ou algum princípio ativo alucinógeno da sua mutação. Morda a língua e sinta o gosto.
- Mordi.
- E então!
- Porra! Mordi um naco de carne!
- Só?
- Não! Temperado com salsa, alecrim e páprica. Delícia.
- Então não mordeu a língua. Mastigou um pedaço do hambúrguer que comemos no café da manhã. Morda a língua.
- AI! aiaiaiaiaia. Mordi!
- E ai?
- Porra! Outro naco de carne. Mas essa tem sangue.
- E que mais?
- Hum! Gosto de hortelã, limão e outra coisa. Sabe a Coca light Lemon?
- Não disse! Coca! Seu raciocínio está sendo afetado por drogas fortes. Alucinógenos de mascar...
- Mas me sinto tão bem!
- Sargento! Olha o que o senhor está falando.
- Eu só dizia que tudo está virando soja. Os japoneses estão colhendo soja disfarçada de outras coisas. Na realidade, quem são esses japoneses?
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