Capítulo 00001101

O Sargento tinha razão. Quem seriam aqueles japoneses? Quem seriam esses novos personagens da complexa trama Amazônica sem fim? Os russos já haviam ido para o espaço, apesar da venda de passagens como forma de expandir as verbas limitadas de seu programa espacial... Quem seriam os kamikases nesse enredo? A KGB havia sucumbido por completo, tanto no ar quanto em terra. Os turbantados haviam desaparecido do mapa após a bombástica desaparição pizzaiola e nem sueco doido para comprar lotes urbanos em terras tupiniquins havia sido novamente mencionado. Quando as coisas pareciam caminhar numa direção, outros apareciam para envenenar ainda mais o caldo dessa trama aterrorizante. Fosse um livro de ficção certamente seus autores se perderiam tamanha a quantidade de personagens, complexidade de lugares e diversidade de diálogos.

- Cuidado que os kamikases podem nos escutar mesmo assim. Estão muito próximos.

- Você tem razão, Tenente. Mas queria deixar uma coisa para que entregue aos meus filhos.

- Mas o senhor tem filhos?

- Sabe que nem sei mais. A Coca me diz que sim, mas algo que nunca foi dito antes me diz que não. Por sombra de dúvida, entregue esta carta para quem reclamar o corpo. Digo salada, pois do jeito que evoluo, sairei daquilo com zero calorias...

- Pode deixar chefe. Não lhe decepcionarei...

Enquanto esverdeavam e aguardavam novas atitudes dos amarelinhos, longe dali o noticiário internacional não falava noutra coisa além do combate aéreo...

Uma chuva de fax, telefonemas e emails urgentes de vários países despencaram na EMBRAER encomendando dúzias de Tucanos e outros pássaros exóticos para incorporar suas forças aéreas. Até o Canadá “bombardie” com a própria companhia e encomendou aeronaves tucanas e petistas para sua força de paz. O ágio internacional bateu recordes e o Green Peace e a WWF entraram em cena para colocar o Tucano na lista de animais em extinção. O risco Brasil subiu para 1.000.000.000.000 de pontos, mas os investidores não se afugentaram, até porque temiam represálias militares brasileiras pesadíssimas em suas nações. Até porque não se tratava de risco financeiro, mas risco de guerra, que acabava de retirar o Brasil da passiva situação pacífica de passivo observador pacífico de guerras e conflitos de terras internacionais, para se tornar membro permanente do Conselho de Segurança da ONU na cadeira de NewFucker.

Éramos finalmente os fodões da hora! O reconhecimento internacional virou uma onda de choque e multidões de todos os cantos do planeta começaram a sair às ruas com faixas e cartazes pedindo a intervenção dos tucanos explosivos e demais petistas voadores em suas zonas desmilitarizadas de guerra, objetivando a preservação da paz e da ordem mundial. As grandes nações pela primeira vez viram-se ameaçadas pelo emergente atrasado Brasil de terceiro mundo subdesenvolvido em desenvolvimento e a onda de adulação e prevaricação internacional começou a se espalhar, veloz e rapidamente num piscar de olhos.

Os Estados Unidos foi o primeiro entusiasta do movimento, ao reconhecer Santos Dumont como o verdadeiro pai da aviação, seguido da retirada dos subsídios aos seus produtores locais e completa isenção de impostos às importações de orange juice, calçados e demais produtos brasileiros. A Microsoft embalada pela onda e pelo medo de quebra de patente, criou o copyleft de seus produtos somente para a comunidade brasileira e a ORACLE retirou de seus pacotes o limite de usuários, desde que estes fossem legítimos brasileiros. Barreiras sanitárias foram extintas na União Européia e o embargo da nossa carne de boi matogrossense teve fim – apesar ainda da febre aftosa - com seu acesso ao pasto e ao vasto mercado consumidor europeu. O Japão dispensou o pagamento de royalties da “nossa” TV digital e até o Irã permitiu uma visita dos físicos de Angra e outros medíocres internacionais, no intuito de vistoriar seu parque de beneficiamento de urânio enriquecido para produção atômica nuclear com fins pacíficos.

Tudo por conta da vitória avassaladora - em primeiro turno - dos aliados tucanos, apesar do poder de defesa da situação ex-comunista e do uso viciado da máquina governamental agora new-neo-liberal-conservadora de esquerda que não conseguiram abafar o escândalo do Dossiê Vedoin da Pasta Rosa de Cabral Berzoin. O Brasil ficou tão bãm-bãm-bãm que o FMI não sabia “que divida era essa que insistíamos ter e pagar para ele” e a OMC criou uma cláusula pétria revogando todas as disposições contrárias a petições brasileiras impetradas na organização. Na realidade o Brasil passou a estar dispensado de impetrar qualquer coisa contra alguém. Bastava sua insatisfação e patentes industriais seriam quebradas, monopólios dissolveriam, oligarquias sucumbiriam, ditaduras democratizariam, monarquias republicariam e repúblicas parlamentariam. Só não dava ainda para estabilizar a situação com a Bolívia, para que o gás não entrasse pelo cano...

Brasília deixou de ser carro velho e substituiu Buenos Aires como nossa capital federal. Ninguém ousou chamar o Brasil de Bolívia e tampouco mencionar que a Amazônia é internacional. Até por que ela não é Internacional, Grêmio, Corinthians, Cruzeiro, Flamengo ou Vasco. A não ser Botafogo, mas isso só em época de queimada para plantação de soja, pois geralmente é verdinha como Guarani, Juventude, Palmeiras e Goiás. Mas na realidade a Amazônia torce por todos não torcendo por ninguém. Tal qual político eclético em campanha eleitoral, que consegue ser um evangélico católico, filho de Ogum que lê Chico Xavier, busca equilíbrio no budismo, canta mantras hindus e jura por Deus com a mão sobre o Alcorão que acredita na história das Testemunhas de Jeová.

Hollywood proibiu terminantemente a produção de filmes que violentassem nossa identidade cultural ao regulamentar um código de postura que postulava nenhuma película inserir vilarejos espanhóis e templos Incas, Maias ou Astecas na Amazônia brasileira. Também indicava que não fossem exibidas índias mulatas vestidas com sutiãs de coco e cocar de penas de avestruz a dançar lambada na aldeia ou pajés trajando roupa tribal africana. Tampouco leões, chimpanzés, elefantes e enormes crocodilos a viver em plena floresta amazônica. A argumentação era simples: “globalização não significa inserir leão na Amazônia, elefante indiano em savana africana, lhama no Monte Everest, panda na Cordilheira dos Andes, pé-grande no Monte Fuji e tampouco Godzilla, King-K e demais lendas em Nova Iorque. Globalização é puxar o saco do Brasil, um país lindo por natureza”...

É claro que toda essa boa vontade internacional durou pouco. Em segredo, reuniões de cúpula pipocavam em toda parte. Os países latino-americanos fizeram sua reunião de cúpula, discutindo o perigo de uma superpotência militar sul americana resolver englobar todos os pequenos países andinos. Os países do leste europeu fizeram sua reunião de cúpula, imaginando que ficaria muito mais difícil para eles entrarem na União Européia e nos cabarés de Paris na hora que bem entendessem com um país tropical metendo o bedelho nos negócios internacionais. Os Estados Unidos fizeram uma reunião de cúpula com os ingleses, discutindo a possibilidade de o Brasil possuir armas químicas de destruição em massa. Os países do oriente médio discutiram em sua cúpula própria se o envio de homens bombas para o Brasil acarretaria numa vitória esmagadora contra as forças satânicas da libido ou numa imensa deserção em massa e na volta da tradicional fantasia de árabe aos nossos bailes carnavalescos. Teve também a cúpula do Vaticano, provavelmente a melhor de todas, já que aconteceu na Capela Sistina cuja supracitada cúpula é adornada pelos maravilhosos afrescos de Michelângelo.

Enfim, o mundo estava se sentindo desconfortável e, porque não dizer, bastante insatisfeito com o surgimento de uma nova potência militar, ainda mais uma potência militar montada em cima da maior reserva de água do mundo - mineral, como se sabe, importantíssimo para a sobrevivência da espécie humana.

* * *

- Hidropônico!

- Saúde, sargento.

- Eu não espirrei, tenente! Eu já sei porque é que esses japoneses estão criando esses alfaces e essas coisas todas aqui no Brasil! São as reservas de água!

- Mas água tem reserva? E quem são os titulares?

- Titulares? Mas que titulares?

- Ora, se tem reserva, tem titular, e deve ter técnico também.

- Meu deus do céu, isso é uma piada?

- Foi, o que o senhor achou?

- Cala a boca e me escuta. Olha. O Brasil possui a maior reserva hídrica do mundo, certo?

- Hum.

- CERTO?

- Sei lá, quem foi que disse isso?

- TODO MUNDO sabe disso, tenente!

- Bem, tá bom então. E aí?

- Aí, que não existe melhor lugar no mundo para se começar um envenenamento mundial! Esses terroristas aí, se eles controlarem a água da Amazônia, e do Brasil, eles podem fazer o mundo inteiro se envenenar em poucas horas e...

- Por que poucas horas?

- Oras, porque todo mundo toma água no mundo!

- Quer dizer que a água sai aqui do Brasil e vai até na China em poucas horas?

- Bem, pode levar um pouco mais de tempo, mas acaba chegando!

- Quem disse?

- Quem disse o quê, tenente?

- Que os chineses tomam a água da Amazônia?

- Bem, eu sempre ouvi falar que o mundo depende da nossa água e...

- Quer dizer que não tem água na China?

- Hum, deve ter, mas...

- E na Índia? Também não tem água?

- Na Índia?

- É, na Índia.

- Deve ter, oras...

- Então, esse seu raciocínio aí, desse negócio de contaminar a água, eu acho que não faz muito sentido não. Mesmo na Europa. Tem água também, não tem? Eles não tomam água do Brasil e...

- TUDO BEM TENENTE, tudo bem... O senhor está certo.

- Mesmo aqui na Argentina, eles têm água também.

- É, é, em todo lugar tem água... Não sei onde é que eu estava com a cabeça quando eu tive aquela idéia idiota de envenenamento da água, tá? A gente não pode ter uma idéia idiota de vez em quando, pombas?

- Até no deserto tem água nuns lugares, se você pensar bem.

- É! TÁ BOM, JÁ SEI!

Eles ainda estavam no meio da discussão quando ouviram um silêncio. Tudo bem, a gente não ouve o silêncio. Então, eles, digamos, deixaram de ouvir. O sargento ainda deu uma fuçada no seu ouvido, que a essa altura já tinha de transformado numa couve de bruxelas, pensando que não conseguiria mais ouvir sem o aparelhamento adequado. Mas o tenente/Giselle também não estava ouvindo nada.

- Pshhh... As kombis, tenente. Desligaram os motores.

- Nossa, aquela barulheira toda então era delas?

- Eu falei que aquilo é um inferno.

- Olha lá, os japoneses chegando perto.

- O que eles estão fazendo?

- Estão procurando a gente, eu acho.

- Eles não vão nos encontrar. Nós estamos bem camuflados - falou o tenente - ah ah ah camuflados, entendeu tenente? Ah AHAHAHAHAHHAH...

- Ri mais baixo, sargento... Eu não estou camuflada(o).

- Eu não quero mais ficar esperando nada. Eu quero atacar!

- Mas sargento, a gente não tem um plano, nem nada, e...

- MERDA!

- O que foi, sargento?

- Nada, eu só estou convocando nossa Missão Especial... Vamos lá, MERDA, quem ainda consegue andar, que ande, quem consegue correr, que corra, e quem consegue apenas ser refogado em alho, que se refogue em alho! Vamos atacar esse bando de japonês!

Foi uma verdadeira chacina. Os coitados dos japoneses não sabiam nem de onde vinham os sopapos.

- Socolo, socolo! Tem um Blócoli atlás de mim!

- Cola, cola!

- Mas colar o quê?

- Não, colar! Colar! Do velbo coler!

- Não entendi...

- Anda lápido! Anda lápido!

- Ah, tá...

Mas não adiantou nada. Em poucos minutos, não tinha sobrado nada dos japoneses. Embora tenha sofrido algumas perdas, a MERDA estava eufórica. O sargento, não querendo perder o clima, levantou o braço, quer dizer, levantou uma espécie de samambaia da mata atlântica muito rara, e gritou:

- Rápido, MERDA! Vamos tomar de assalto aquela maldita fábrica de onde eles vieram!

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