Capítulo 00000101

Tendas de folhagens para banhos afrodisíacos, atravessadores de cupuaçu, tapereba, graviola, acerola, açaí, jambo, macaxeira, mandioca, folha de mandioca, farinha grossa, farinha fina, farinha media, farinha temperada, farinha branca, farinha amarela, farinha de tapioca, muita farinha e mais farinha, feirantes de cheiro-verde, couve, cebolinha, jambu, chicória, pimenta de cheiro, pimenta-do-reino, pimenta malagueta, barraquinhas de tapioquinha na manteiga, cuscus, mingau de milho, canjica, cozidão, maniçoba, tacacá, pato no tucupi, filhote frito, gurijuba assado, acari cozido, camarão no bafo e patinha de caranguejo, além de outras iguarias amazônicas sem igual servidas a centenas de famintos viajantes recém chegados de todo lugar ou famílias em êxodo urbano com malas, fogão, camas desmontadas e panelas, muitas panelas, retornando para algum muquifo na selva. Um caos humano e selvagem até que finalmente chegam no trapiche de embarque na beira do rio repleto de dezenas de embarcações de madeira...

- Mas cadê nossa embarcação secreta tenente?

- Está bem ali sargento. Camuflada!

- Mas cadê?

- Harrrrrr sargento! Se está camuflada... Às vezes o senhor parece que não sei. Né Hã bonitinha?

- Mas onde? Ali só vejo aquele pedaço de tronco flutuante.

- Então! Não ficou bem disfarçada?

- Está falando daquilo? Está tão camuflada que nem parece uma voadeira. Na realidade não é uma voadeira.

- É uma nadadeira senhor! Se liga sargento! O senhor pediu para eu providenciar um barco, não um hidroavião...

- Mas com tanto barco apreendido de traficantes colombianos, contrabandistas paraguaios, fugitivos cubanos, empresários venezuelanos e você pega...

- Uma legítima canoa indígena peruana. O senhor pediu para não chamar a atenção. Achei melhor não usar nenhuma daquelas lanchas poderosas motorizadas ou iates com discoteca a bordo.

- Mas precisava ser um tronco oco de castanheira? Nossa MERDA não podia contar com algo melhor? Pelo menos tem motor ou teremos remar até a tribo?

- Se o senhor observar existe até vela.

- Vela deve ter lá dentro para iluminar a noite...

- Mas tem motor ou não?

- Ai depende do senhor. Se quiser aproveitar para malhar um pouco e perder essa barriguinha de chopp podemos ir remando. Também pode optar por irmos velejando como se estivéssemos no caribe ou por entre as ilhas paradisíacas do pacífico. Mas se quiser fazer barulho enquanto navegamos por entre a floresta nativa, natureza selvagem e bichos exóticos de toda ordem e espécie, o senhor é quem sabe.

- Mas jura que isso é nosso transporte?

- Olha Sargento! Eu estava na dúvida entre essa e uma de junco originária do lago Titicaca, apreendida numa operação da PF no Rio Solimões. Lembra-se da operação Peru de Natal? Então! Mas antes que me questionasse como uma embarcação andina ter ido parar em rio amazônico, achei prudente escolher a castanheira.

- Peru de Natal! Titicaca!

- Exatamente. Isso também foi motivo para não usar o junco, pois sabia que o senhor inevitavelmente faria um trocadalho do carilho com isso.

Era uma canoa poderosa. Na realidade um barco esculpido no tronco de uma castanheira secular. De longe parecia um veleiro chinês, mas os remos fenícios sugeriam ser um barco bem velho.

- Sei que é horrível, mas por que está chorando Figurante Nativo? Um caboclo desse tamanho com medo de navegar?

- Não senhor! Na realidade não sou Figurante Nativo. Meu nome é Fernando de Noronha e trabalho na delegacia há mais de cinco anos...

- Sério? Mas como nunca te vi por lá?

- É que trabalho no arquivo morto e o senhor nunca foi lá.

- Nunca fui pois não existe arquivo morto naquele prédio.

- Autópsia, senhor. Trabalho na autópsia. Acharam mais conveniente denominá-lo assim.

- Está bem! Mas por que o choro? Se não é medo desse bote inflamável é medo do que então? Não me diga que não sabe nadar?

- Nada disso sargento. É que enquanto atravessávamos esse labirinto humano, comprei um jornal e me deparei com essa terrível explosão estampada na capa.

- Mais uma usina nuclear. Não me diga que desta vez é Angra?

- Nada disso sargento.

- Então um vazamento de gasolina. Pobre Cubatão!

- Nada disso sargento.

- Seria outra tsuname no Egito?

- Tsuname no Egito? Para com isso sargento!

- Um novo ataque as Torres Gêmeas? – interfere o satisfeito Tenente que acha que está abafando.

- Também não! Até porque elas nem existem mais.

- Verdade! Deixa-me adivinhar. Deixe-me adivinhar. Adoro brincar de esconde-esconde – continua insistente o Tenente.

- ESCONDE-ESCONDE? – retrucam o sargento e o Noronha.

- Não! Uma explosão no Oriente Médio.

- Mais uma? – assume novamente o empolgado sargento - Isso já não é mais novidade. Lá eles se explodem há séculos. Não me diga que Israel bombardeou novamente o Líbano, o Iraque invadiu o Kwait ou Paquistão retomou a Faixa de Gaza?

- Não se trata de guerra senhores. Foi uma explosão no centro de Ankara.

- Ankara, Ankara, Ankara... – murmuram sargento e tenente.

- Hurrrrrr! Capital da Turquia. Lembram-se? “Expresso da Meia Noite”, rachiche, chancliche, beliche, fetiche e tudo que acaba com iche...

- Nem tudo! Vixe é nordestino – observa o Tenente.

A explosão a que se referia Fernando de Noronha era o pizzatentado ou guaranabomber contra o ex-lider do movimento de invasão da Amazônia e seu inseparável Assessor. Centenas de inocentes mortos e feridos, inclusive um entregador de pizza que ainda segurava moedas em suas mãos. A manchete afirmava ser um atentando do Hezbollah, mas comentaristas políticos convidados pelo jornal juravam por suas mães mortas ser coisa da AlQaeda. Em boca miúda por entre corredores escusos e sombrios dos guetos de Varsóvia corria ser coisa da CIA, mas havia quem citasse baixinho existir participação da Scotland Yard e KGB. Alguns mais radicais faziam referência aos métodos utilizados pelo IRA e teve quem vinculasse o episódio com a extinta Brigadas Vermelhas de Aldo Moro.

- Seria coisa da ABIN sargento? – indaga o tenente.

- ABIN? Para que a ABIN explodiria uma bomba na Turquia?

- O fato de parlamentares brasileiros estarem participando de um congresso turco sobre economia em obras públicas não seria um bom motivo?

Uma coisa era certa. Agora o grupo de assalto precisaria se reunir para ratificar a nova liderança. Na escala hierárquica, no segundo posto de comando, nada mais, nada menos que os gringos. EUA!

- Vamos, vamos. Peguem suas tralhas e entrem nessa banheira que precisamos zarpar! – ordena o sargento com cara de poucos, mas muito poucos amigos.

- Vamos gente! Primeiro as Damas!

- Só se for sua anta, tenente. Ainda não percebeu que não existem mulheres na MERDA?

- Estava brincando sargento...

- Vamos, vamos. Entrem antes que isso afunde.

O que o sargento não esperava era a surpresa reservada no interior do tronco. Uma embarcação aparelhadíssima. Sistema GPS de navegação, sonar, radar, frigobar, forno microondas, churrasqueira, Tv de Plasma combo DVD conjugado com home teather dolby digital suround e um jogo de baralho. Para comunicação móvel de dados cinco notebooks conectados via cartão PCMCIA 32bits 10/100Mps a uma rede estruturada convergindo para um link de satélite acionado através de uma antena de transmissão de 256Kbps. Possuía uma suíte identificada com uma plaquinha “Sargento” contendo cama vibratória, colchão ortopédico densidade 33, travesseiros de pena de ganso, fronhas e lençóis de seda pura. Central de Ar, banheira de hidromassagem, vidrinhos de sais coloridos e navalhas Winston para o verdadeiro barbear.

- QUI QUIÉ ISSO TENENTE?

- Surpresa chefia. Né Hã?

- DE ONDE SAIU TUDO ISSO?

- Eu posso explicar sargento.

- Então comece, mas... QUI QUIÉ ISSO TENENTE?

- Quando fui requisitar nossa embarcação podia ter pego a de junco, mas aquele negócio do Titica...

- Isso eu já entendi. Estou falando QUI QUIÉ ISSO...

- Então! Lá trabalha a Jursicleide. Aquela servidora pública encalhada e mocréia que sempre deu mole para mim, mas pela graça do Senhor, nunca quis dar nem mole para ela...

- Comeu a baranga então?

- Ainda não senhor. Prometi quando voltarmos.

- Se voltarmos! Existem muitos perigos ocultos. Por isso concordei com sua anta.

- Às vezes eu conto com essa hipótese para escapar dela.

- Mas então ela adiantou esse tronco tecnológico de “grátis”?

- Não foi bem assim. Quando perguntou a que se destinava, eu disse que era para uma incursão secreta junto a tribo...

- Imbecil ignorante. Falou da MERDA!

- Nada disso senhor. Só falei que iríamos até as tribos perdidas da Amazônia. Ela só achou esquisito irmos até tribos perdidas, mas quando disse por onde iríamos passar ela topou na hora.

- E onde iremos passar?

- Eu sei que ela tem uma prima-irmã de quinto grau lá perto do Marajó. Daí eu falei que passaríamos por lá.

- Por que cargas d’água o Marajó? Isso é do outro lado.

- Por que eu sabia que ela liberaria se eu me comprometesse a levar umas encomendas para a família e alguns amigos de infância que tiveram coragem de fazer a alegria dela enquanto criança.

E é verdade, pois no norte todo mundo tem uma encomenda para entregar para alguém em algum lugar. É só você manifestar que irá viajar e já aparece um isoporzinho, um embrulho em jornal, uma caixa de agrado ou uma cesta amarrada com corda. Geralmente um punhado de farinha, banana da terra, açaí congelado, goma de mandioca, peixe defumado, camarão seco e outras coisas fedorentas que insistem que você entregue a alguém distante.

- E o que teremos que levar tenente?

- Tudo escrito acima. O cara mandou bem. E mais um jogo de panelas de alumínio, pratos de ágata e pacotes de cigarro.

- Cacete!

- Desculpe sargento, mas o senhor anda muito bocudo. Está falando muito palavrão ultimamente. O senhor nunca foi assim.

- Pindamonhangaba! Está bem se me referir desta maneira?

- Melhorou muito gentil sargento.

- Quer dizer que além de levar a feira, você ainda terá que trepar – desculpe – copular com essa servidora pública de carreira?

- Verdade senhor! Tudo a bem do serviço público.

- Lembre-me de lhe dar uma promoção quando voltarmos da MERDA. Afinal você merece.

- Obrigado senhor. A propósito senhor? Posso deixar minha anta dormir na sua suíte?

- Não me provoque, senão te exonero antes de promover.

- Já fui senhor! Quer alguma coisa antes de partirmos?

- Nada não! Só quero começar essa viagem...

- ENTÃO HOMENS! SOLTEM AS AMARRAS e LIGUEM OS MOTORES. Figurante A você vai a este bordo, Figurante B a bombordo, Figurante C na proa, Figurante D na popa e Comandante na cabine pois não sei pilotar esta josta.

Enquanto isso, na civilização, a coisa não andava nada bem. Os entregadores-de-pizza-bomba tornaram-se uma verdadeira febre internacional. Começaram a pipocar atentados em todos os recantos do planeta. Em Paris. Em Londres. Em Honolulu.

Sem perder tempo, ONU marcou uma reunião secreta entre as sete maiores Potências Econômicas Industriais, Democratas e Abastadas, mais a Rússia - P.E.I.D.A.R..

Mas mal o Coffee Annan, secretário-geral da ONU, iniciou a reunião, os serviços secretos dos Estados Unidos e da Inglaterra tomaram o uso da palavra à força:

- É o Brasil.

- O que é que tem o Brasil?

- É lá que começaram com esse negócio de entregadores-de-pizza-bomba. Eles estão enfrentando algum problema com as Máfias internacionais, parece que tem a ver com a Amazônia.

- Uai, a Amazônia não fica na Venezuela?

- Hum, Venezuela?

- É, ou será Bolívia?

- É na Argentina, ô bocó.

- Não, parece que é no Brasil mesmo.

- E vocês já não tinham tomado conta daquilo? Parece que eu li na internet outro dia desses, que a Amazônia era território internacional e que...

- Isso era um hoax, meu deus do céu... Todo mundo vem com esse papo... Nós não fizemos nada!

- Hoax?

- É, HOAX! HOAX! Não sabe o que é hoax, não?

- Hum, não.

- Hoax é um boato na internet. Eles pegam uma mentira, escrevem como se fosse verdade e começam a mandar para todo mundo que conhecem. Aí todo mundo acredita.

- Que nem quando falaram aqueles negócios do príncipe Charles?

- Hum, mais ou menos.

- Como mais ou menos?

- Bem, tinha um pouco de verdade naquilo, quero dizer, não era TUDO verdade, mas... bem, o senhor entendeu o que é um hoax, não entndeu? Vamos voltar ao assunto?

- Do que é que nós estávamos falando mesmo?

- Dos entregadores-de-pizza-bomba - disse o Coffee Annan, enquanto batucava levemente no seu atabaque de estimação, presente do Gilberto Gil.

- Ah, é. Então. Nossos serviços secretos confirmaram, inclusive, que uma expedição secreta brasileira está subindo o rio Amazonas em busca de alguma pista.

- Mas alguma pista do quê?

- É aí que está. Nós não fazemos a menor idéia.

- Quer dizer que a policiazinha daquele paisínho de merda sabe alguma coisa que a CIA, o FBI e a Scotland Yard não sabem?

- Bem, não é bem assim, é que...

- Mas nós estamos aqui reunidos com as Potências Econômicas Industriais, Democratas e Abastadas do mundo e...

- MAIS A RÚSSIA!

- É, desculpe, presidente... As sete Potências Econômicas Industriais, Democratas e Abastadas do mundo, mais a Rússia, e ninguém sabe de nada? Será que todas as famílias desse planeta ficarão nas mãos desses reles entregadores-de-pizza-bomba?

- Bem, a KGB tem um jeito.

- A KGB? A KGB ainda existe?

- O que é que há? A KGB tem história, olhe lá como fala...

- Tudo bem, tudo bem, e o que é que a nossa velha KGBezinha pensou dessa vez, ham?

- Bem, a gente estava pensando, era só o pessoal parar de pedir pizzas.

- O quê?

- Ah Ah Ah Ah Ah

- Parar de pedir pizzas?

- O que é que têm? Lá na Rússia nós passamos muitos anos sem nem saber o que era isso, por que é que vocês não podem passar uns tempos também, ora essa?

- Olha, o senhor fica aí sentadinho, enquanto a gente aqui discute, tá? Se não a gente não te convida mais, tá?

- Humpft...

- O quê?

- Nada, eu só fiz Humpft.

- E o que é Humpft? É alguma palavra russa?

- Não, Humpft é só um resmungo, sei lá, um desabafo...

- Ah, sei.

- Tudo bem, então.

- Bem, e quanto à Amazônia?

- É, e os entregadores de pizza?

- Ok. A gente podia fazer então uma excursão pra lá.

- Uma excursão?

- É, a gente mandava aí uns agentes disfarçados de turistas, e eles alugavam uma lancha e iam seguindo esses brasileirinhos aí. Quem sabe eles não descobrem alguma coisa.

- É, essa é uma boa idéia.

- Sei não, me disseram que tá cheio de doença por lá.

- Sem contar os bichos.

- É, leões, tigres e coisas assim.

- Tem piranha também.

- Piranha? E o que é piranha?

- São uns peixinhos que comem gente.

- Puts.

- Tudo bem, tudo bem, a gente manda uma Força Especial. Quem aqui tem uma Força Especial pronta para a ação.

- Bem, meus homens atualmente estão todos no Iraque.

- A KGB tem.

- Os meus, estão inspecionando estão apoiando Israel.

- A KGB tem.

- Ninguém tem uma Força Especial disponível?

- A KGB TEM!!!

- Puts...

- Tudo bem, então. Vai a KGB mesmo.

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