Capítulo 00001110

Todos eles montaram numa das kombis. A MERDA original tinha dezenas de membros, e agora não restavam mais do que sete, se contarmos com um rabanete meio murcho que o sargento encontrou no fundo da geladeira. Depois de muito tentar engatar a ré, o sargento desistiu e deu a direção para o tenente /Giselle, que era o único que ainda tinha mãos.

A kombi seguiu pelo mesmo caminho que os japoneses vieram, e a enorme construção acizentada foi tomando forma no horizonte. Finalmente eles estavam chegando ao cerne da questão. Se havia alguma explicação para aquela zona toda, ela estava ali, atrás daqueles muros de concreto armado.

- Pela madrugada Sargento! Olhe aqueles portões! Se não soubesse que King-Kong é ficção, estaria preocupado em saber se estamos do lado de fora ou de dentro da fortaleza. Se eu fosse loiro, estaria ainda mais apreensivo...

- Obviamente estamos do lado de fora. Seria uma imbecilidade existir um muro de concreto tão protegido e termos entrado sossegadamente pelos fundos quando desembarcamos do barco. É claro que essa é a Muralha da China...

- Mas eles eram japoneses...

- Foi força de expressão, Tenente. Muralha do Japão. Que seja.

- E como faremos para entrar? Será que tem campainha?

- Ah há! Campainha! Cada vez me impressiono mais com seus questionamentos. Me responda antes que a couve entupa de vez meu ouvido. Como conseguiu passar no concurso público para a polícia?

- Isso foi fácil. Meu tio é um deputado federal e arrumou a matriz da prova antes da realização dos exames.

- Então você respondeu antes? Que vergonha!

- Vergonha mesmo! Eu não sabia responder nenhuma. Daí meu tio comprou os resultados de um funcionário da empresa de concursos...

- Daí com o resultado na mão você só preencheu o exame? Que vergonha mais abominável ainda.

- Vergonha mesmo! Sabe como é né, Tenente. Minha memória é podre. Não consegui lembrar da seqüência e respondi tudo errado. Foi um fiasco... Daí meu tio que é Deputado Federal arrumou um jeito de meu nome aparecer no primeiro lugar da lista. Sabe como é né? Nepotismo nunca será extinto...

- Que vergonha! Só assim conseguiu entrar?

- Vergonha mesmo! Entrar foi assim. Mas me manter no serviço foi pior. Como nunca fui trabalhar e não assinava ponto, quase fui exonerado “a bem do serviço público”, mas...

- Mas seu tio, que é Deputado Federal, foi lá e deu um jeitinho.

- Como adivinhou Sargento? O senhor é inteligente mesmo. Por isso acredito que deva ter passado em concurso sem essas coisas... Por isso o senhor é meu espelho. Quero dizer. Mais ou menos. Depois dessa samambaia, não posso afirmar que me espelhe ainda no senhor. Na realidade está precisando regar...

Enquanto ainda comentavam sobre a veracidade de concursos públicos e apadrinhamentos políticos de inúmeros escalões, repentinamente os portões começam a se abrir e a Kombi começa a ser sugada magneticamente para o interior da grande construção...

- Tenente, desacelere essa MERDA.

- Não sou eu. Ela esta andando sozinha, Sargento.

- Pise no freio então!

- Já tentei, Sargento, mas esta luzinha piscando no painel está dizendo que estamos locked. Locked Sargento! É o fim!

- E isso quer dizer o que?

- Que estamos locked Sargento.

- Isso eu sei. Mas...

- Ah sim! Locked travado. Unlocked destravado. O Senhor não estudos inglês não? Estamos travados e mal pagos. Nada funciona! Alguma força estranha controla esta Kombi e não podemos nem abrir os pinos das portas. NÓS VAMOS MORRER!

Nesse instante uma choradeira começa a tomar conta dos demais restantes da MERDA, a exceção do Nabo que já não tinha mais líquido para lagrimar. O desespero tomou conta do Sargento que começou a presenciar sua equipe desidratar completamente.

- Salsinha, não chore. Assim vai ficar desidratada...

- Uva, no woman no cry. Caso contrário virará passa e ai não existe botóx que resolva rejuvenescimento. Não chore mais!

- Não, não! Tomate seco, não! Justo você. Tomate não! Como será agora o sexteto sem sua presença. Como?

- Brócolis! Brócolis! Não se vá. Não amarele, não amarele!

- Sargento, Sargento! O Nabo está muito fraco? O que eu faço com o Nabo? Vamos perder todos se continuarmos assim...

- Tenente. Dê tapinhas para que ele não se encolha, faça respiração boca-a-boca, agasalhe o Nabo, mas não deixe que amoleça antes que eu prepare a sopa...

Enquanto viam a equipe sucumbir em sangue, suor e lágrimas, os grandes portões começaram a se fechar com a Kombi já completamente no interior da grande Muralha. Nesse momento ambos silenciaram.

- Que barulho foi esse Tenente?

- Sargento! Seria falta de graxa na dobradiça do Portão?

- Não! Esse não! Falo desse barulho fininho e intermitente...

- Ah! Esse é o Brócolis! Parece o último suspiro.

- Não foi o último suspiro. Peido de Brócolis não! Que horror! E nem dá para abrir a janela. Que nojo!

- Socorro, socorro, socorro. Esse gás é tóxico?

- Com tudo fechado do jeito que está, pode ser...

- Socorro, socorro! Eu não quero morrer na câmara de gás...

Apesar de tomados pelo cheiro do inferno, o que viram pela janela basculante da Kombi foi uma visão impressionante. Uma fábrica gigantesca, com um enorme pé-direito, mas sem um pé-esquerdo aparente, o que sugeria ser uma fábrica portadora de necessidades especiais. Tubulações e mais tubulações interligadas por tubos e conexões Tigre, Leão, Oncinha e Puma que não se encaixavam perfeitamente com as do concorrente, além de grandes registros e enormes torneiras por onde saiam vapores de alguma coisa que não sabiam. O único vapor que sentiam era o do Brócolis em decomposição acelerada...

- Acenda um fósforo pelo amor de Deus.

- Mas eu não fumo. Sargento! Socorro, socorro...

- Ainda bem que o Repolho Roxo e o Feijão Carioquinha morreram na leva que ficou na plantação de Sósoja. Imagine essa combinação. Seria uma arma química...

Quando já estavam se acostumando com a podridão e conseguindo respirar mais aliviadamente, desviaram a atenção da estação de tratamento de água e esgotos, e o que viram foi uma visão ainda mais aterrorizante. Talvez nem tão aterrorizante, afinal, já haviam visto de tudo um pouco nessa saga. O Sargento e o Tenente – visto que o Nabo já havia feito a passagem - observaram milhares de Umpa-Lumpas a cantar no compasso. Conhecem Umpa-Lumpas?

Na realidade não eram Umpa-Lumpas, pois os originais eram laranjas. Esses eram pequenos japoneses idênticos de cor verde-limão fluorescente, o que de certa forma é uma redundância, pois japonês geralmente é pequeno e um igual ao outro. O estranho era o verde-limão fluorescente. Mas isso era irrelevante...

- QUI QUIÉ ISSO? – gritou o Sargento.

- SEI LÁ QUI QUIÉ ISSO. – respondeu o Tenente.

Cantavam uma insuportável melodia infantil como se estivessem a trabalhar numa alegre fábrica de chocolates e guloseimas, mas sua feição denunciava regime de trabalho escravo sem registro em carteira, diga-se de passagem uma forma de contratação voluntária muitíssimo utilizada na Amazônia. À medida que tentavam entender o acontecido, um grupo de Umpa-Lumpas começou a se aproximar da Kombi no intuito de realizar a colheita maldita. Carregavam foices e martelos, quando o Tenente não agüentou...

- Revolução Socialista Sargento.

- Cacete Tenente! Finalmente chegou nosso fim. Me belisque para ver se esse não é outro pesadelo como aquele que tive com aquela Alfavela Amazônica de Ets e personagens da história.

- É para já...

- AIIIIIIIIIIIIIIIIII. Pedi que beliscasse. Não que arrancasse um ramo. Saiba que samambaia é muito sensível. E puxou da minha costeleta. Ai dói pra cacete... Quer que eu faça?

- Desculpe, Sargento. Mas era a única maneira de provar que não é um sonho. Diga-se de passagem, estou com tanta fome que comeria um sonho. E o senhor?

- Adubo! Do jeito que estou, só comendo adubo.

Como que por um milagre - mas era tecnologia oriental - as portas se abriram automaticamente, expondo Giselle e Samambaia à admiração dos funcionários padrão. Um grande hammm foi ouvido e tudo ficou em silêncio. As máquinas pararam, os Umpa-Lumpas pararam e até o cheiro parou. Era a Hã, que havia se escondido embaixo da Kombi e que naquele momento acabava de escorregar e cair no chão...

- Hã, minha linda, você está aí? Quer dizer que estava brincando de esconde-esconde com o papai... Gute, gute, gute...

“PAPAI O CACETE”, balbuciou Hã pela primeira e pioneira vez, tal qual Charlton Heston em Planeta dos Macacos quando aprisionado pelos gorilas na rede de pesca.

- Hã, você fala? É um milagre. É um milagre...

- Milagre os cambau, seu mané. Vamos esclarecer primeiro uma coisa. Não me chamo Hã e não sei por que você me chama assim. Nunca percebeu meu bilau? Isso é nome de Fêmea de Anta ou Anta boiola. Sou anta espada, seu anta! Desde aquele cais estou doido para te encher de porrada, mas não podia me denunciar.

- Mas Hã!

- PARE COM ESSE NEGÓCIO DE HÃ. Já disse que não me chamo Hã.

- Então vou chamá-la, digo, chamá-lo como, se não se chama Hã. Fiquei confuso agora, até por que não sou bom para esse negócio de nome. Se reparar bem, até agora só chamo o Sargento de Sargento e ele me chama somente de Tenente. Isso porque nossas identidades se mantém sobre sigilo na CIA, FBI e demais agências espalhadas pelo mundo. Mas mesmo que não estivessem, ninguém saberia nossos nomes...

- Blá, blá, blá, blá, blá... Você fala demais, Tenente. Eu, se fosse o Sargento, já havia te enchido de porrada...

- Hummmm hummmm – tenta falar o sargento quase em fase final de mutação vegetal...

Nesse instante a Anta dá um grito de guerra e vários Umpa-Lumpas pegam o Sargento, o Tenente e os restos de vegetais desidratados e levam no colo até uma ante-sala cheia de vidros suspensos com várias espécies vegetais em suspensão.

- Não, Hã! Vai colocar a gente naqueles vidrinhos?

- PARE COM ESSE NEGÓCIO DE HÃ. Me chama de Tomagoshi e ponto final.

- Tomagoshi?

- Isso mesmo. E não vou colocar ninguém no vidrinho, mas se continuar a me chamar de Hã, eu mesmo colocarei um tubinho de vidro daqueles em você.

- Fica frio grannnnnnnde Tomagoshi. Entendi seu recado e depois conversamos...

Na realidade tratava-se de um gigantesco laboratório com várias bio-espécies desidratadas, o que denotava ser um local de experimento que concentrava pó nos seus diferentes formatos originais. Tinha até coca em pó, mas esse era outro departamento. Nesse instante Tomagoshi pede que levem imediatamente os dois para a sala de desmutação, afirmando que deviam ter ingerido substâncias impróprias na plantação de Sósoja. Mas sugeriu que primeiro passassem pelo banho no Ufurô para que se hidratassem um pouquinho, afinal saco vazio não pára em pé . Minutos depois, Sargento e Tenente, ambos transmutados em gente novamente, são trazidos ao encontro de Tomagoshi que os convida para um tour pela fábrica. Sem outra alternativa aceitam de bate pronto.

- Mas Hã, desculpe, Tomagoshi, onde nós estamos?

- Calma que já entenderão tudo. Vocês ficaram muito alienados com aquele papo de tentar descobrir o serial-killer degolador de Manaus e acabaram vinculando tais assassinatos com outras coisas que não tinham nada a ver. Vocês fumam maconha ou injetam algum tipo de droga pesada? Isso faz mal!

- Como sabe do serial-killer? – pergunta o Tenente

- Urrrrrrr! Se eu sei falar, também seu ouvir né, sua anta. Vocês não eram nem um pouco discretos. E, mesmo que não falassem, aqueles assassinatos eram públicos. Qualquer um que saiba ler jornal sabe disso. Até na Tv internacional saiu...

- E você sabe ler, Tomagoshi?

- Urrrrrrr! É claro, sua anta – responde Hã ao Tenente.

- Mas então nada disso tem a ver com aqueles assassinatos? A rebelião no Presídio de Segurança Máxima, as cruzadas entre cristãos e evangélicos... Nada?

- Claro que não! Na realidade muita gente pelo mundo acha que tem, mas não tem. Felizmente ninguém consegue ler os sinais. O que aconteceu são fatos isolados.

- Fatos isolados? Hum, bem! Mas como?

- Oras, meu caro Sargento. O serial-killer, na realidade é uma onça abandonada por um circo que vive nos esgotos de Manaus. Ela tem fome e sabe como é. Não existe fome zero para onça.

- Mas come só cabeça?

- Era só o que davam para ela comer na jaula. Cabeça de boi, cabeça de galinha e outras cabeças.

- Caracas, como não pensamos nisso antes?

- Mentira Sargento! Eu falei que era uma onça. O senhor que não botou fé. Tá vendo! Nem sempre eu erro...

- Mas e a rebelião no presídio?

- Oras, meu caro Sargento. Quantas rebeliões acontecem diariamente em presídios brasileiros? Por que essa deveria ter uma motivação diferente? Só por que são índios? Pombas! Índio também é gente. Não foi isso que aquele ministro disse quando levou se cachorrinho ao veterinário num carro oficial?

- Sim, mas e a guerra religiosa?

- Oras, meu caro Sargento. Não assiste TV não? Cristãos e os novos Evangélicos brigam o dia todo, todo santo dia, pela audiência dos clientes fiéis em seus programas carismáticos, financeiros, ortodoxos, umbandistas e salvadores de TV. O que aconteceu na praça pública foi só um reflexo dos ânimos exaltados. Uma demonstração do poder devassador que a religião, se interpretada de maneira extrema, pode impor à mente humana. Pobre mente humana. Por isso prefiro ser uma anta. Só não entendo como vocês têm coragem de chamar alguém de anta quando o assunto é chamá-los de burros. A propósito, já viu algum burro dar coice em outro por causa de audiência de TV?

- Então nossa expedição foi em vão? Não existe nada a ser descoberto? Somos uma fraude policial?

- Nananinanão, Sargento! – ironiza Tomagoshi – Sua expedição serviu para outros propósitos. Precisávamos descobrir os traidores do movimento e aniquilar suas intenções... Vocês foram úteis para isso.

- Ai Meu Deus! Sargento! Olhe a Uva passa. – espanta-se o Tenente estarrecido com a cena...

- Ai Jesus! Tenente! Olhe o Tomate Seco. Que horror! Ai! Vou vomitar! Até a Salsinha, pobre Salsinha desidratada, foi exposta. Quanta crueldade.

- Onde Sargento?

- Ali seu imbecil. Perto do Cebolinha, da Mônica e da Magali.

- Não perdoaram nem o Cebolinha.

- Mas nossa expedição tinha Cebolinha?

- Tinha sim. Mas estava na cozinha, junto com o cheiro verde.

Nesse instante, sem entender por que somente eles haviam sido reconstituídos e seus companheiros continuavam vegetando, chegam ao final do corredor e deparam-se com uma porta de acesso restrito equipada com identificador de voz, íris, digital, DNA e tela touch-screen para código criptografado 128bits.

- Eles já estavam desidratados – observa Tomagoshi.

- Mas não perguntamos nada – responde o Sargento.

- Mas pensaram. Isso para mim basta. – completa Hã, digo, Tomagoshi.

- Então sabe ler pensamentos? – pergunta o Tenente.

- Sei sim! – responde Tomagoshi, digo, Hã.

- Então...

- Isso mesmo. Li há pouco, estou lendo agora e li quando estávamos lá no barco. E vou dizer uma coisa: Tenente, você é um anormal! Estava doido para me enrabar no barco, mas só não fez por que sempre tinha alguém por perto. O dia em que ficamos sozinhos, quase tive que expor minha identidade secreta quando ficou alisando meu bilau. Fui salvo pelo Sargento...

- Tenente! Estava pegando no bilau da Hã, digo, Tomagoshi?

- Pensei que era a tetinha Sargento. Por isso chamava-a de Hã, digo , Tomagoshi. Para mim era a tetinha...

- Mas não viu que a tetinha cresceu seu depravado? – questiona o Tomagoshi em estado de nervos.

- Percebi, mas e daí? A minha também cresce toda vez que aliso debaixo do chuveiro. Pensei que fosse a tetinha e não o bigurrilho. Juro que achei esquisito, mas achei que era a mesma coisa quando tirei leite de touro pensando que fosse vaca, isso ainda jovem. Não sei anatomia...

- Isso não pode ser normal – exclama o Sargento, abraçando Tomagoshi aos prantos...

- Olha! Seu eu fosse menor, poderia te acusar de pedofilia seu adepto de NeverLand. Mas nem tô aí com o assunto do bilau, pois naquele dia eu até que estava precisando. O que me enerva é o que pensava em fazer atrás e fim de papo que não quero mais lembrar disso – comenta a magoada Hã, digo, Tomagoshi, dando por encerrado o obsceno assunto.

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