Não passou muito tempo e estavam todos novamente na sala, só que desta vez com Tomagoshi – um tanto a contra-gosto. A paquinha não parecia feliz em saber que iria detonar uma explosão nuclear anal.
- Porra! Sacanagem! Só porque sou uma paca. Quer dizer que o Tenente não conseguiu fazer isso no barco, mas agora ambos querem abusar de mim nessa salinha. Mas como farão isso se você é um tapete sem bilau e você uma Arósio, também sem bilau. Digo. Não tem bilau né? Dois contra um não vale! Sou minoria.
- Nada disso, Hã – disse o Tenente
- Tomagoshi cacete.
- Sim, Tomagoshi. Ninguém vai abusar de você.
- Que susto. Já estava preocupado.
- Sente aqui e vamos conversar...
Como sabiam que a Hã não sentaria nem a pau, tampouco a cu naquele dispositivo, haviam disfarçado-o com um pequeno laço feito delicadamente com um pedaço de fio puxado do Tapete.
- Arósio – fala baixinho o Sargento no ouvido do Tenente – espero que esse fio não seja meu pinto. Ficarei muito puto depois que transmutar, se é que vou, e descobrir que meu pinto não existe mais e foi destruído numa explosão nuclear dentro da Hã.
- Pense numa causa nobre. Seu membro será reverenciado por milhões de pessoas. Estátuas, quadros, peças teatrais, filmes, livros de ficção e desfiles cívicos farão homenagem ao seu bilau. Pense na Parada Gay. Será o ícone deles todos.
- Ah filho de uma puta. Revanche psicológica agora é?
Mas antes que esse diálogo durasse demais, escutaram um urro ensurdecedor vindo da pobre Hã, pobre vítima violentada pelo bem da humanidade.
- Doeu, Hã? – ironiza o Tenente com ar de inveja, certo complexo de inferioridade e uma lembrança de juventude...
A única imagem que veio na mente do Tenente foi a história de um grande amigo de faculdade que havia lhe contado sobre seu exame pré-operatório de hemorróidas e da pergunta do médico ao enfiar o dedo em seu cu inchado: já teve alguma relação anal?
E o amigo urrando em lágrimas disse: não, essa é a primeira vez.
- Puta que pariu. Estou quase sem ar. Esse negócio veio parar na minha garganta. Vocês são o que? Maníacos pervertidos?
E antes que a anta começasse a dialogar com seus estupradores em mais um incessante diálogo sem fim, se despediram do pobre animalzinho e deram no pé, pois a contagem havia começado...10. E a jornada rumo ao infinito começou. 9. Arósio olhava para trás enquanto pensava em lavar o cabelo com shampoo mais tarde. 8. O tapete soltava um pum atrás do outro a fim de potencializar a marcha. 7. Ainda viam alguns japoneses dando tchau e acenando com lencinhos. 6. Quase nua em face do vento que havia lhe roubado as roupas, Arósio lembrou da infância feliz brincando de médico com seus amiguinhos. 5. O Sargento voador pensava que produto poderia usar sem que perdesse o brilho das fibras e definição dos desenhos feitos a mão por trabalho infantil Persa. 4. Tudo lhes passava pela cabeça enquanto a fábrica se tornava uma visão inóspita em meio à floresta densa. 3. 2. 1. Cabuuuuummmm! Ao invés de um enorme cogumelo, surge uma gigantesca soja em chamas no horizonte. Eram 8h 16m 8s, 6 de agosto do ano corrente. Uma visão assustadora no meio da ex-floresta amazônica.
- Vai Sargento, vai! Acelera Airton! Pisa fundo Schumacher! Nem vou arriscar um manda brasa Rubinho, senão não se sabe...
- Eu sei, eu sei. Estou quase dando a luz...
Nesse momento, salta de seu interior, em queda livre, um pequeno tapete Persa de beira de cama com a cara do pai. Por um instante o Sargento titubeia em voltar para pegá-lo, mas acha melhor que alce vôo sozinho e conquiste a liberdade antes que algum caixeiro viajante o prenda e venda para uma família abastada qualquer, tornando-se mais um brasileiro a ser pisoteado pela elite burguesa dominante neo-liberal cheia de posses e investimentos no sistema financeiro capitalista que expropria o dinheiro do estado e esmaga com punhos de aço milhões de famílias carentes vítimas da insensatez de políticos inescrupulosos...
Os dois pousaram alguns quilômetros depois, num pequeno morro ainda coberto pela outrora exuberante floresta. A enorme nuvem de fumaça ainda subia no horizonte. O tenente/Arósio aproximou-se da beira do morro e, tentando se cobrir como os trapos que lhe restavam, olhou para o por de sol acinzentado. Com os olhos marejados, levantou um punho fechado para os céus e gritou:
- Nunca mais irei passar fome. Nem que tenha que mentir, enganar, roubar ou matar. Que Deus seja minha testemunha, eu nunca mais irei passar fome!
- Você tá com fome? Eu acho que tenho aqui, umas bolachinhas, eu sempre trago umas comigo quando eu vou viajar... O difícil é achar o meu bolso, onde é que será que ficam os bolsos dos tapetes?
- Eu não estou com fome, sargento.
- Mas você acabou de falar que...
- Eu só estava imitando a Scartet O’Hara, naquela cena do Vento Levou.
- Pombas, além de já ter se transformado
- Para quem acaba de dar a luz a um tapete, você fala bastante, hem sargento?
- Eu ainda não sei se aquilo lá era um filho, eu só vi um pedacinho de tapete voando. Podia ser uma outra coisa qualquer.
- Como o quê, por exemplo?
- Como... Como... Sei lá, já aconteceu tanta coisa nessa história, que eu prefiro nem pensar.
- Tudo bem, tudo bem. Mas eu acho que é melhor a gente ir andando. Ou voando, como queria.
- Espera um pouco aí, eu ainda nem estiquei as pern... quer dizer, eu ainda nem me estiquei um pouco.
- Tudo bem, se você quer ficar aí, fica. Eu estou indo embora.
- Mas por que essa pressa toda agora?
- Bem, sabe aquela nuvem negra que estava subindo lá da explosão dos laboratórios?
- Sei. O que é que tem elas?
- Bem, dá só uma olhada pra lá. Parece que ela parou de subir...
- E está...
- Descendo! Vamos sair logo daqui, ante que essa nuvem alcance a gente!
- Espera aí um pouco. Antes, não dá para você me dar uns tapas?
- Não me venha com taradice uma hora dessas, sargento, eu posso parecer a Ana Paula Arósio mas ainda sou seu superior!
- Eu não estou com taradice coisa nenhuma, é que parece que quando tira o pó de mim, eu vôo melhor.
- Tudo bem, dá uma esticada aí então...
A Ana Paula Arósio achou ali, ao lado, uma galho de árvore que lembrava uma vassoura e começou a espancar o sargento. A cada golpe, uma nuvem de poeira. Pah!
- Ui.
- Pah!
- Hum!
- Para com isso, sargento!
- O que foi que eu fiz?
- Você está gemendo, pensa que eu sou besta?
- Só mais uma vezinha e a gente vai embora, ok?
- Pah!
- Ufs...
- Tudo bem, agora vamos?
- Não dá para fumar um cigarrinho antes?
- Fumar faz mal para tapetes, sargento.
- Mas tapete nem tem pulmão!
- Não tem, mas fica fedendo... Vamos logo com isso.
E os dois partiram, seguidos de perto pela sombra da explosão.
* * *
Com o vento zunindo ao seu redor, o sargento e o tenente caíram numa espécie de silêncio reflexivo durante uns minutos. Mas não dá para ficar muito tempo sem conversar com alguém que está sentado em cima de você.
- Sabe tenente, eu estava aqui pensando.
- Sobre o quê?
- Sobre o que é que nós vamos fazer agora.
- Como assim?
- Bem, eu acho que nós resolvemos o caso.
- Resolvemos?
- É, ué. De uma maneira ou de outra, se havia algum culpado nessa história toda, ele morreu com a explosão.
- Hum, é verdade.
- Então. E eu estava pensando, e nós dois?
- Olha, eu não tenho nenhuma queda por tapetes e...
- Eu não estou falando disso. Eu estou falando que agora nós estamos voltando para a civilização. Quer dizer, para Manaus. E nós temos lá, nossos empregos, nossas famílias e... bem, eu agora sou um tapete, entende?
- É, vai ser difícil para sua esposa se acostumar.
- É, vai. O senhor, ainda vá lá, pode até arrumar um emprego na próxima novela da Globo, mas e eu? Tudo bem que eu posso voar e tudo o mais, talvez eu apareça no Fantástico aí umas duas ou três vezes, mas depois... o que vai ser depois? Eu vou ser que nem aqueles caras do Big Brother, depois de um ano ninguém mais se lembra deles...
- Você podia arrumar emprego num parque de diversões. Toda criança ia querer dar umas voltas num tapete voador.
- Ia nada. Hoje em dia, a molecada só quer saber de vídeo game.
- Você podia arrumar um emprego de taxista. Já imaginou, você ia passar por cima dos congestionamentos e...
- Sei não, com esse caos no tráfego aéreo brasileiro, capaz que eu trombava com um Legacy em menos de uma semana...
- Sargento, pode deixar que eu não vou deixar você na mão. Eu arrumo um lugar para você como figurante nas novelas que eu conseguir trabalhar... Sempre tem uns tapetes no cenário... Além do mais, pode ser que algum cientista descubra um jeito de reverter essa transformação.
- É verdade!
- Eu tenho até uma prima que é casada com um professor lá da UNICAMP, a gente pode passar por lá para bater um papo e...
- Tenente...
- Não precisa agradecer, sargento.
- Não, não é isso. O senhor não está sentindo um cheiro esquisito? Um cheiro assim, de fritura?
- É, agora que o senhor falou, eu estou sentindo mesmo... Parece o cheiro da rodoviária...
- O que será que pode ser?
- A nuvem!
- Que nuvem?
- A da explosão! Ela nos alcançou!
- Mas o ar está limpinho, tenente...
- Tem muito gás que não tem cor. E nem por isso, não fede.
- É, tem razão.
- E, se os gases da explosão já nos alcançaram, isso quer dizer que ele está se espalhando pela atmosfera... sabe-se lá até aonde!
- Bem, já tem tanto gás por aí que mais um, menos um, não vai fazer muita diferença.
- Tomara, sargento... Tomara... - disse a Ana Paula Arósio, enrolando um de seus cachinhos com o dedo, apertando os olhos e fazendo biquinho.
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