Capítulo 00000011

Num outro local bastante diferente. Uma reunião. Pessoas de terno escuro. Alguns de óculos escuros. Um deles de terno escuro, óculos escuros e turbante na cabeça. Todos com fones de ouvido e microfones portáteis. Atrás de cada um, guarda-costas vestidos mais ou menos do mesmo jeito, só que em números bem maiores. Todos eles em torno de uma mesa ovalada, semi-iluminada por lâmpadas azuladas. No ar, a fumaça de alguns charutos.

- Quer apagar essa porcaria?

- Humpft.

- O que é “Humpft”? O que é “Humpft”? Acho que o meu tradutor não sabe o que é “Humpft”...

- Humpft não tem tradução, babaca.

- Como não tem tradução? Tudo tem tradução. Eu não vou continuar essa reunião se eu não souber direitinho do que é que vocês estão falando.

- Nós estávamos falando da “Tomada da Amazônia”, até você começar com esse papo de apagar charutos.

- Tudo bem, tudo bem. Vamos continuar então. Quem de vocês tem alguma notícia do nosso “amigo”? (ao falar, ele fez aquele sinalzinho com os dedos, esclarecendo que era amigos entre aspas)

- O nosso amigo mandou um recado ainda ontem. Parece que está tendo problemas.

- E que problemas o nosso “amigo” (ele fez o sinal de aspas de novo) está tendo?

- Ele disse que, se a missão era instaurar o caos na região, alguém chegou lá antes dele.

- Alguém?

- É. Alguém.

- E o nosso “amigo” dis...

- Se você fizer esse sinal de novo, eu quebro seus dedos.

- O quê?

- Esse sinal de aspas. Eu juro por Deus que eu quebro seus dedos. Amarre-os, ponha a mão no bolso, faça qualquer coisa. Mas eu juro por minha vida que eu quebro seus dedos se você fizer esse sinal de novo.

O ambiente ficou um pouco tenso. Os guarda-costas levantaram uma aba do paletó e colocaram as mãos sobre as armas. Alguém acendeu outro charuto. O de turbante se ajoelhou no chão e perguntou para o guarda-costas para que lado ficava Meca.

- Tudo bem, tudo bem. Vamos com calma.

- Abaixem as armas rapazes.

- E você, pare de fazer sinais.

- Mas é qu...

- Somente pare de fazer sinais, ok?

- Ok, ok...

- Bem, como eu estava dizendo, o nosso amigo relatou que quando chegou lá, aquilo já estava a maior zona. Tem um monte de rebelião acontecendo, a polícia anda à procura de um serial killer, até linchamentos religiosos estão ocorrendo.

- Mas quem poderia ter tido a mesma idéia que a gente?

- Ninguém, oras. Estamos todos aqui.

- Eu estava pensando em alguma entidade nova.

- Humpft.

- Lá vem você de novo com esse humpft!

- Calados os dois!

- Um novo rico qualquer. Talvez até um paisinho desses asiáticos. Você conhece esses asiáticos, eles não podem ver alguém ter uma idéia e já saem combinando.

- Espera um pouco, espera um pouco. Acho que a gente está esquecendo uma coisa. Pode também não ser nada disso.

- Como assim? O nosso “amigo” (ele quase ia fazendo o sinal, mas o guarda-costas atrás deles segurou suas mãos rapidamente) não disse que chegou lá para instaurar o caos, mas que o caos já estava instaurado? Então está claro que alguém chegou antes da gente!

- Pode não ser... Vai ver aquilo lá é daquele jeito mesmo.

- Não pode ser.

- É claro que pode.

- É, uma vez eu fui passar umas férias no Rio de Janeiro e vocês não imaginam a zona que era aquilo... Ninguém sabia das minhas reservas no hotel, a principal empresa aérea faliu e cancelou todos os seus vôos de volta, um inferno. Vai ver, é assim no país inteiro...

- Então, nós mandamos um agente à toa?

- É, isso mesmo. E nós já podíamos ter começado a invasão a muito tempo!

- Bem, então vamos organizar as coisas. Cada um já sabe o que fazer?

Todos acenaram com a cabeça. Um a um, todos foram saindo, seguidos pelos seus guarda-costas. A mesa ficou vazia. Em cima dela, somente cinzeiros fumegantes e, iluminado pela luz amarelada, um mapa da América do Sul.

Sabem como são esses mapas de guerra? Então! Cheio de setas para cá e para lá, miniaturas de tanques, canhões, aviões, helicópteros e uma centena de soldadinhos de chumbo enfileirados em posição de ataque. Até esquadra naval, afinal no maior rio do mundo navegam grandes petroleiros e transatlânticos levando e trazendo milhões de dólares oriundos de eco-turismo, contrabando de animais, extração ilegal de madeira e minerais, além de água doce, muita água doce.

Um grande risco oval com caneta fluorescente circundando a Amazônia e bandeirinhas subdividindo o espólio de guerra. Várias muralhas cortando de norte a sul e leste a oeste a grande floresta tal qual a Alemanha dominada pelos prós e contras. Uma iminente estratégia de expropriação indébita do alheio com direito a muita Champagne.

- Senhor, senhor!

- O que é Assessor Guarda-Costas?

- Olhe a matéria de capa daquela revista naquela banca de jornal de esquina no cruzamento daquelas duas avenidas. (indica o Assessor que também guarda as costas na saída do prédio onde a cúpula sinistra estava reunida)

- Que porra de banca de jornal?

- Aquela na esquina no cruzamento daquelas...

- Já entendi porra!

- Então, aquela.

- Putz! Não enxergo a esquina, tampouco a banca e você conseguiu ler a matéria de capa da revista pendurada? Não se esqueça de mais tarde, enquanto ainda tiver sol, de apertar umas espinhas nas minhas costas, pois minha mulher não enxerga mais nada nem após aquela operação de miopia. Na realidade nenhuma das quarenta enxerga coisa alguma. Um bando de ceguetas.

- Pelo que o senhor me paga só não dou a bunda porque dói...

- Mas se eu quiser vai ter que dar.

- Sério? Mas sou eu o Guarda-Costas.

- Sim, mas também é Assessor. Se eu pedir uma assessoria vai ter que dar. Certo? Por ora só a espinha!

- Humpft.

- Agora é você com essa porra de humpft!

- Mas não somos amigos? (ao falar, ele também fez aquele sinalzinho com os dedos, esclarecendo que era amigos entre aspas)

- Puta merda! Parece que aquela reunião foi contagiosa. Será que havia algum vírus de gripe aviária na sala? Amigos o caralho! RELAÇÃO EXTRITAMENTE PROFISSIONAL e só.

- Mas então isso seria assédio sexual, estou certo?

- Deixa para lá. Vá e me traga um exemplar enquanto entro na limusine. Mas depressa que hoje tem jogo do Irã na Copa do Mundo e convidei uma galera para assistir em casa. É contra os EUA. São duas escolas completamente diferentes, que se defendem bem com as armas que tem, mas que atacam com muito mais agressividade. A única semelhança é o contra-ataque. É hoje que vamos detonar os gringos. Vai ser um jogão de bola...

- Mas senhor! Os EUA não estão na chave do Irã.

- Sério? É ruim hein!

- Na realidade o Irã já foi desclassificado da Copa.

- Sério? É ruim hein!

- Os States também já voltaram para casa.

- Sério? É bom hein!

- Mas os gringos não são nossos parceiros nessa missão?

- Eu sei! E só agora me avisa isso?

- Que são nossos parceiros?

- Não! Que estamos eliminados da Copa!

- Mas senhor...

- HURRRRRRR. Vá logo e me traga essa merda de revista. Agora vou ter que agüentar aqueles folgados em casa assistindo jogo, a jogar casca de amendoim no tapete, peidando, arrotando cerveja na sala, mijando fora do vaso no banheiro e soltando fogos e mais fogos no quintal. E nem sei quem joga!

- O Brasil senhor!

- Sério? É ruim hein!

- E boa ruim nisso senhor! O time parece ser a mesma zona que o resto do Brasil. Falam português, pulam carnaval, mas ninguém entende ninguém quando o assunto é futebol.

E seria ruim mesmo, ele nem imaginava quanto. Mas a revista também não trazia uma notícia menos ruim, pois estava na Capa: “Empresário Sueco propõe comprar a Amazônia por US$ 18 bi”.

- Que porra é essa? Agora virou moda tomar conta daquele jardinzinho? Reconvoque todos os acionistas, acione nosso agente infiltrado e coloque todas as tropas em alerta máximo, pois precisamos realmente invadir aquele furdúncio antes que algum político local comece a achar interessante esse papo de vender terreno e acabe por lotear o latifúndio antes que tomemos posse.

- Sim senhor! Mas e o jogo do Brasil?

- Faça o que eu mandei. Só tem uma coisa pior que perder a Amazônia para o Brasil. É perder para a França. Use o telefone vermelho, passe um fax com essa manchete e envie um e-mail para todos cancelando o churrasco lá em casa.

- Sim senhor! Mas alguma coisa?

- Ainda está de pé aquele negócio de me apertar umas espinhas nas costas. Não se esqueça olho santo! Mais tarde vai espremer uma que está me incomodando bem aqui perto do cofrinho...

- Pelo que o senhor me paga...

- Já sei, já sei! Só não dá a bunda porque dói...

- Muito pelo contrário senhor. Quem sou eu para discutir com o futuro proprietário de um país dentro da Amazônia?

- Agora sim está falando como um verdadeiro Assessor.

- Mais que isso senhor. Um verdadeiro Guarda-Costas!

- Não, não! Assessor! Guarda-Costas morre pelo protegido, mas só Assessor dá a bunda para manter a vida ou emprego...

- Mas senhor...

- Quando eu chamar aperte as espinhas e depois, somente depois conversaremos.

O Tenente chegou atrasado para a reunião. Estava cheio de sacolas de shopping e um sorrisinho esquisito no rosto. O sargento olhou para ele, desanimado.

- Tenente. O senhor está atrasado. E com um sorrisinho no rosto.

- Hã, é tenente. Eu sempre fico assim quando vou às compras.

- O senhor tem que tomar cuidado com essas coisas.

- É, hã. Eu sei. Eu estou me tratando.

- E aquele problema de vomitar toda hora?

- É, eu estou tratando disso também, o senhor sabe.

- Sei. E é tudo no mesmo lugar?

- O quê?

- O senhor se trata de todas essas coisas no mesmo lugar? Dos vômitos e das compras?

- É, o pessoal fez um pacote promocional. Eles estão tratando da minha seborréia também. Mas o tratamento é demorado. Eles são freudianos, parece.

- Sei.

- Bem, e aí, tudo pronto para a excursão?

- Isso não é uma excursão, tenente. Isso é uma Missão Exploratória.

- Ah, que pena. Mas Missões Exploratórias também são legais. E o que é que a gente vai explorar?

- Vamos explorar a Floresta Amazônia, tenente. Todo esse alvoroço tem que ter alguma ligação com a Amazônia. Tem até gente dizendo que a Amazônia nem é mais do Brasil. Outros querendo comprá-la. Toda essa bagunça nos presídios e nas igrejas presbiterianas. E tem esses cadáveres sem cabeça que começaram a aparecer, vítimas sei lá de que seita maligna. Tudo leva a pensar que tem alguma coisa de ruim acontecendo na Amazônia.

- Nossa. E por onde é que a gente vai começar?

- Nossa reunião é sobre isso. Sente-se aí, tenente.

Só aí o tenente percebeu os outros na sala. Também estavam em volta de uma mesa esfumaçada, mas o cheiro não era de charutos finos. Para falar a verdade, aquilo tinha um cheiro muito esquisito. Uma mistura de Continental sem filtro e fumo de rolo. E alguma outra coisa que ele não conseguia identificar. Bife de fígado, talvez. O sol que passava pela fresta da cortina fazia a fumaça formar desenhos estranhos no ar. O tenente chegou a vislumbrar uma caveira, mas deu uma chacoalhada na cabeça e ela sumiu. Anotou mentalmente a cena para contar na próxima sessão do seu tratamento. Os homens mal encarados que estavam sentados olharam para ele e o sargento o apresentou a todos.

- Esse é o, hã, tenente. Aquele que eu estava falando.

O tenente olhou para eles, fez um tchauzinho geral e disse:

- Oi, gente.

Os homens responderam apenas com grunhidos e limpadas de garganta. Um deles mugiu. O tenente colocou suas sacolas de shopping no chão e se sentou.

- E aí? Como é que você acha que a gente deve explorar a Amazônia? Me disseram que por lá tem muita mata e tudo o mais, talvez devêssemos ir de helicóptero, o que vocês acham?

- Humpft.

- O quê?

- MMMMMú.

- Sargento, o que é que eles estão falando?

- Acho que não gostaram desse negócio de helicóptero.

- Bem, e como é que eles acham que a gente deve ir?

- De barco.

- Barco?

- É, aquele negócio que flutua na água e que tem um motorzinho atrás.

- Ah. É, barco também é uma boa idéia. Parece que a Amazônia tem muita água. Inclusive, eu comprei aqui uma coisinha que acho que vai dar supercerto, olha aqui.

E o tenente tirou de dentro de uma sacolinha do shopping uma roupa branca, muito parecida com a do marinheiro Popey, só que sem caximbo.

- O que é que vocês acham, hã?

- Humpft.

- MMMMMú.

- Bem, eu trouxe outras coisas também. Olha essa aqui, que legal. É pra quando a gente precisar descer na terra. A moça da loja disse que essa estampa fica ótima para quando a gente quer se camuflar no mato.

- Humpft.

- MMMMMú.

- Tenente. Dá para deixar essas coisas pra depois?

- Tá.

- Então, como íamos dizendo, nossa Missão Exploratória vai explorar os rios da Amazônia e suas margens em busca de provas conclusivas sobre essa onda de violência e terror. O pagamento para quem não já não é contratado pelo estado, como eu e o sargento, são os despojos de Guerra. Tudo bem?

- Humpft.

- MMMMMú.

- Então, tudo combinado. Partimos amanhã.

- Hã, sargento... eu...

- O que foi tenente?

- Nossa missão. Ela não tem um nome.

- Como assim?

- Oras. Ela precisa ter um nome. Tudo tem um nome.

- Tá. E que nome o senhor estava pensando em dar para a nossa missão exploratória?

- Ah, sei lá... a gente podia fazer que nem os Americanos fazem. Eles gostam de juntar as iniciais e formar as palavras.

- O quê?

- Assim, ó. Por exemplo, o raio LASER. O senhor sabia que ele vem de Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation ou, em português, amplificação da luz por emissão estimulada de radiação?

- E o que é que tem?

- Bem, a gente podia fazer a mesma coisa com a nossa missão.

- Sei.

- A gente podia chamá-la de MISSÃO EXPLORATÓRIA “RIOS DA AMAZÔNIA”, o que daria... o que daria...

- Merda!

- O que foi, sargento!!??

- Merda! É o que dá as iniciais de Missão Exploratória Rios da Amazônia. MERDA!

- Hum... puts, e não é que é mesmo??

- MERDA, MERDA, MERDA!

- O que foi, senhor?

- Doeu porra! Pensa que não dói?

- Mas apertei como o senhor pediu. Usei a lateral dos dedões! O senhor disse para não usar a unha que fere muito e deixa marcas.

- Dói menos, mais dói. E já saiu algo desse vulcão?

- O pus.

- Mas nada do carnegão? Precisa sair o carnegão...

- Está pendurado, senhor! Parei quando o senhor gritou merda.

- Então explode logo isso que não agüento mais ficar nessa posição indecente. Se uma de minhas mulheres entra no quarto e me vê assim, até explicar que é uma espinha, já estará achando que você está me fazendo massagem íntima...

- Calma senhor! Vou dar uma beliscada forte para ver se tudo pula fora de uma única vez. Calma ai...

- AÍIIIIIIII! SAIU AGORA?

- Muito pus. Daria para fazer um pudim de leite condensado, senhor. É incrível como a consistência é igual, senhor!

- Que nojo! Leite condensado?

- Também não gosto muito de pudim de leite, senhor. Gera uma flatulência muito fedida. Minha esposa sempre reclama de meus gases, principalmente quando faço embaixo do cobertor.

- Não falava do leite condensado, que é uma delícia, mas da sua comparação idiota. Agora nunca mais vou conseguir comer um brigadeiro em festas infantis seu incompetente. AIIIIII!

- Pronto, pulou tudo, senhor. Agora só está saindo sangue. Mas tem outro perto desse. Ainda não apareceu a ponta, mas está inchadão. Quer que eu aperte também ou deixa amadurecer?

- Amadurecer? Agora não vá comparar com fruta seu assessor que guarda as costas, senão não conseguirei comer mais nem morango com chantilly. Não, não! Pare por aí. Já sofri demais para um único dia. Como doem essas coisas...

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