Capítulo 00010000

O Tenente dormiu dentro do ofurô. Em seus sonhos, ele estava sendo recebido com honras de chefe de estado pela ONU. Recebeu comendas de Presidentes. Tornou-se cavaleiro inglês. Ganhou o troféu de melhor jogador do mundo da FIFA. Mas foi quando lhe passaram a faixa de Miss Mundo que ele achou que alguma coisa estranha estava acontecendo. Abriu os olhos. Se levantou e saiu do ofurô. Caminhou calmamente até a frente de um espelho. E deu de cara com a Ana Paula Arósio. Não deu tempo nem de pensar muito a respeito, ouviu um barulho no corredor. Era um barulho esquisito. O barulho que provavelmente fazem os polvos quando ficam muito excitados. Enrolou-se numa toalha e correu até a porta. Abriu só uma fresta e deu uma espiada. Não havia nada lá, além de um tapete persa. O Tenente/Arósio foi caminhando nas pontas dos pés. Quando pisou no tapete, ouviu um

- Ui.

- Mas, mas, o que é isso?

- Olha, não precisa ficar assustada - respondeu o tapete.

- Assustada? Eu não estou assustada, eu...

- Você é a Ana Paula Arósio?

- Eu? Não, quer dizer...

- Bem, você pode até não acreditar, mas eu sou um sargento, sabe? Da polícia brasileira e tudo o mais.

- Sargento?

- É, é difícil explicar, é que...

- Sargento! Sou eu, o tenente! Não está me reconhecendo?

- Tenente? Mas... Putaqueopariu tenente! Porque é que eu sempre me transformo nessas coisas esquisitas, e você sempre se transforma nessas gostosas?

- Ah, sei lá, sargento... Mas diga logo, como foi que você virou um tapete?

- Persa.

- O quê?

- Um tapete persa. Eu virei um tapete PERSA.

- Ah, tá. Mas como é que foi?

- Aqueles desgraçados daqueles japonesinhos... Me jogaram dentro daquele tal de ofurô, e me deixaram lá, dando risada. Quando eu dei por mim, virei um tapete. E você?

- Ah, eu não virei um tapete.

- Tá, eu tô vendo, mas como foi que se transformou na Ana Paula Arósio?

- Bem, foi mais ou menos do mesmo jeito que você, só que eu quis.

- Você quis se transformar na Ana Paula Arósio? Porra tenente, e isso era hora para fazer uma coisa dessas?

- Não, eu não quis virar a Ana Paula Arósio. Eu só quis entrar no ofurô, ninguém precisou me jogar lá dentro.

- Ah, entendi. Mas, e agora? Por que será que esses japonesinhos resolveram fazer isso com a gente de novo?

- Olha, sargento, eu estava achando esquisito mesmo aquele japonês chefe ficar contando todos os segredos da coisa para a gente... Quase sempre eles fazem isso antes de matar o mocinho. Você nunca assistiu zero zero sete não? Pode reparar. O bandido sempre chama o mocinho e começa a contar os seus planos malignos para o mocinho, e aí, zapt!

- Zapt?

- É, zapt! Mata o mocinho!

- Eu nunca vi um filme do zero zero sete que ele morresse...

- É, o bandido não mata, ele tenta matar! Mas aí o zero zero sete arruma um jeito de explodir todo o complexo dos bandidos e...

- Complexos? Eu também nunca vi bandidos complexados...

- Não esse tipo de complexo, sargento, o Complexo Arquitetônico, entende? Onde os bandidos fizeram o seu Quartel General.

- Ah, claro, claro, é que eu não estou conseguindo pensar direito, sabe? Para falar a verdade para o senhor, tenente, eu estou meio down, me sentindo meio por baixo.

- Mas é claro que o senhor devia estar se sentindo assim, o senhor é um tapete, oras!

- Puts, é mesmo. Nossa, eu nunca imaginei que um tapete fosse tão... tão...

- Deprimido?

- É, para falar a verdade, eu estou até com vontade snif... snif...

- Vontade do quê, sargento?

- De snif... snif... chorar!

- Pare com isso, sargento, você está se molhando todo!

- Eu não consigo me snif controlar, tenente... buáááa´.

- Sargento, você vai ficar cheirando cachorro molhado!

- Tanto faz, snif, snif, nada faz mais sentido mesmo buáááá

- Meu Deus do céu, e agora, o que é que eu faço? Estou aqui, sozinho, e o sargento durão se transformou num tapete maníaco depressivo! Dessa vez, eu estou enrolado mesmo...

- Enrolado? Snif... O senhor nem sabe o que estar enrolado, tenente... buáaááaá

O tenente aproveitou a deixa, enrolou o sargento, jogou-o sobre um dos ombros e continuou andando pelo corredor. Eles precisavam fugir dali, ou pelo menos explodir todo o complexo. O que pintasse primeiro.

- Dessa vez, esses japoneses ultrapassaram todos os limites da honradez, da justiça e, porque não dizer, da verossimilhança - disse o tenente, em voz alta, amarrando seus lindos cabelos cacheados para trás, formando um coque. - E eles vão se arrepender amargamente por isso.

- Ô Tenente, vai devagar que o andor é de barro. Quero dizer. O tapete é de nylon. Além de enrolar, está me amassando todo...

- Positivo, Sargento. Mas tenho que carregá-lo assim, afinal o Senhor é tapete mas não voa.

- Como pode afirmar isso. Afinal sou tapete Persa. Lembra Ali Babá e os Quarenta Ladrões?

- Putz. É isso aí. Mas enrolado é que o senhor não vai voar...

- Isso é o que você pensa. Senta aí com essas coxonas abertas e segure-se. Mas antes solte esse coque que fica mais charmoso o vento batendo nas madeixas...

E assim Ana Paula Arósio, digo o Tentente ex-Bundchen saiu tapeteando – galopando – a passos largos por entre inúmeros corredores da gigantesca fábrica de água de soja...

- Tenente! Se sairmos vivos dessa, prometa que me dará um autógrafo. Prometa por favor.

- Fica frio, Sargento. Se escaparmos ilesos, juro que te levo para casa e te coloco na sala de estar perto da lareira, só para sentar em seu colo toda noite enquanto degusto um vinho...

- Ah! Antes que isso aconteça, ainda não entendi aquele negócio de verossimilhança dos japoneses. Sabe que sou dotado de amplo conhecimento lingüístico, mas o que quis dizer com aquilo?

- Que sou culto também e sei palavras difíceis, oras. E acho que o senhor, apesar de ser delegado e conseqüentemente advogado, nem sabe da contradição entre verossimilhança e prova inequívoca, mas tenta dar uma de bambambam sempre que pode. Se estivéssemos no barco, conectaria com a internet, entraria no GOOGLE e de lá desviaria para a WIKIPEDIA onde estaria escrito: “verossimilhança vem a ser um nível de convencimento elevado à possibilidade e inferior à probabilidade”. Entendeu, bobão?

- Apesar disso nada ter a ver com nossa fuga, confesso que estou ainda mais perdido que cego em tiroteio. Mas deixa para lá, pois já nem lembro mais onde está lastreada sua singela expressão jurídica em nosso diálogo. Continuemos nosso vôo e segure-se...

- Ipê Ipê Urra! Digo Ipi Ipi Urra! Esse negócio de Ipê é coisa de insistente autocorreção não autorizada. Mas que esse passeio está legal, não posso negar. Sabe, Sargento, nunca pensei que iria as alturas encoxado no senhor.

- Epa Epa sem autocorreção. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Só te pedi um autógrafo se sairmos vivos daqui, mas acho que vou aproveitar o momento japonês para fazer um vôo kamikase com você a tiracolo...

Enquanto trocavam o Aurélio entre si, nem perceberam a enorme concentração de coisinhas verdes e japonesinhos fortemente armados criando uma barreira intransponível para sua passagem. O grande Mestre Ioda estava à frente, comandando o batalhão.

- Não deixem esses blasileilos escapalem. Atilem e delubem aquele tapete. Se dero pala pleselvaro aquela glacinha que está em cima dele, muito que bem. Apesaro de toda água de soja estou com sede de sexo há muito tempo. Esse negócio de gafanhoto, homenzinhos verodes e kamikases fujões nunca conseguilam me saciaro a secula sexual. To matando cacholo a glito...

E antes que Mijaro desembestasse novamente a falar – pois ninguém merece gente depressiva em trama de aventura -, o tapete saiu dos 37 pés e desceu para a aerovia segura de 36, pois uma gaivota vinha em sua direção no sentido contrário e ela não parecia estar com o transpoder, transponder, transfoder, trans o cacete a quatro ligado...

- Tenente, me abrace pois vou dar umas piruetas, uns parafusos, uns loopings e finalizar a apresentação com um Royal Straight Flush

- Caracas Sar! Sabe fazer essas manobras radicais?

- Aprendi durante os desfiles de 7 de setembro, na época da ditadura. Falando em ditadura, ainda bem que você se transformou na Arósio, pois se estivesse na pele oficial de Tenente, sua ditadura estaria roçando exatamente na minha bunda.

- Uauuuuuuuu! Que maneira essa manobra. Uauuuuuuuu! Que radical esse tubo. Uauuuuuuuu! Que...

- Pare com isso. Estamos em fuga, não no Havaí. Esse negócio de tubo é coisa de surfista, seu imbecil. Ainda bem que virou Arósio, pois burro do jeito que era se tivesse virado artista loira aí que o negócio ia arder de verdade...

- Poxa, Sar. Só queria aproveitar o sobrevôo...

- Olha, Gatinha! Queremos sair vivos, certo? Então preste atenção pro que vou te dizer...

No momento em que Arósio no tapete enrolado parecia Harry Potter voando na vassoura mágica do SuperBall, o Sargento começou a contar o que havia ouvido nos momentos de cochilo proposital perto de Mijaro.

- E foi assim...

- Então Sar! Teremos que detonar o núcleo?

- Exatamente. Toda fábrica dos grandes vilões tem seu ponto fraco. Lembra o Centro da Lua Negra, de Star Wars?

- Lembro!

- E os botões vermelhos de auto-detonação de zero zero sete?

- Lembro!

- Lembra em que ano descobriram o Brasil?

- Aí já está forçando nossa amizade, Sargento...

- Então! Aqui também tem um botão que causa uma explosão termonuclear...

- Cara, que legal. Mas explosão no subsolo?

- Aí é que mora o perigo. Esse papo de explodir atômicas dentro da terra é coisa de formiga e norte-coreano doido querendo ameaçar a humanidade. Aqui será a céu aberto com direito a cogumelo e chazinho se der tempo.

- Cara, que merda. E qual sua velocidade de cruzeiro Sar?

- Velocidade de cruzeiro? Estamos na época do Real maluco.

- Arrrrrrr! Eu que viro mulher e seus nós que embaraçam. Também com tanto nó Persa, esses neurônios devem estar meio confusos sobre o fluxo correto. Perguntei qual sua velocidade máxima. Qual a aceleração da máquina. Quanto vai de zero a cem. Afinal precisaremos voar muuuuito depois de acionar o detonador de detonação para detonar a bomba sem detonarmos junto.

- Ih! Sabe que eu não sei. Mas sei que depois de acionado o detonador, leva cerca de 10 segundos para ser detonada a bomba.

- Dez segundos? Sar! Vai ter que pôr pressão nessas turbinas, engatar uma primeira e quebrar a barreira do som.

- Por pressão é fácil. Aquela verdura toda em que me transformei criou uns gases que ainda não consegui liberar, pois até agora não parei e também não consigo flatular na presença de estranhos. Do jeito que estou inchado, certamente o peido irá quebrar até a barreira da luz. Tenha certeza absoluta disso.

- É isso aí, Sar. Você peida e eu reicorporo Hilda Furacão. Vamos quebrar todas as barreiras, inclusive as heterosexuais.

E assim passaram por todos os bloqueios armados, embargos comerciais, arames farpados, minas terrestres e outros dispositivos de detonação até chegarem ao olho do furúnculo, como era chamada a sala de autodestruição.

- Sargento, essa sala é esquisita. Olhe só! Uma mesa com dois botões identificados como “enfeite técnico para autodestruição” e uma cadeira sem assento escrita com “anel de fogo – sente aqui para liberar contagem regressiva”.

- Ih! Dessa eu escapei, Tenente. Mas vá fundo...

- E tem mais, olhe só. “Para garantir uma contagem perfeita, seu reto será fundido na barra por cola super-bonder”.

- Ih! É ruim hein! Bom, Tenente! Foi quase um prazer – já que o prazer vai ser todo seu - mas sabe como é né, existe alguém me esperando em casa com a comida quentinha...

- Porra Sar, mas você mora sozinho.

- Então leve por esse lado. Alguém precisa fazer isso e eu, um tapete Persa, não tenho cu. Isso significa que só sobrou um nessa sala. Mas faça com honra, afinal, finalmente você fará uma coisa útil com seu rabo.

- Salvar o Brasil dando a bunda é honroso?

- Desculpe a sinceridade, mas suas pregas serão perdidas para um bem maior! Sei que se trata de uma expressão de baixo calão, mas não pude evitar. Infelizmente para você, mas felizmente para o resto da nação, seu cu nos salvará!

- Mas minhas hemorróidas, Sargento?

- Hemorróidas numa hora dessas? Você está pensando pequeno. Parece tucano. Pense grande. Imagine milhões de pessoas idolatrando seu cu em sua memória. Estátuas, quadros, peças teatrais, filmes, livros de ficção e desfiles cívicos. Pense na Parada Gay. Será o ícone deles todos.

- A rá! Mas isso depois da explosão. Antes, vou ter que enfiar a seco, pois nem tenho uma vaselina na necesseir ou margarina vegetal na cesta de piquenique.

- Passa baton, boba!

- Mesmo assim vai doer. Olha o tamanho do tubo. E está escrito em letras menores. “Enfiar até o PI fazer bico”. Vai doer pacas...

- Disse o quê, Tenente?

- Porra. Disse que vai doer pacas!

- Pacas! Paca! Hã... Vamos procurar a Hã, digo Tomagoshi, e fazer aquela paca dar sua vida pelo bem da humanidade, afinal, se vai doer pacas, tem que doer nela...

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