Capítulo 00001000

No entanto ninguém nunca havia se deparado com um integrante da lendária tribo. Talvez até tivessem conseguido, mas digamos que perderam a cabeça em face de tamanha alegria. Nem “Amoral Nato, o Repórter”, a bordo de seu DC-10, conseguirá tal façanha, pois rasante que sobrevoasse a pororoca. Nem o sertanista Villas-Boas com seus espelhos havia conseguido isso. Tampouco Rondon havia encarado algo assim. Mas a MERDA havia chegado lá.

- Sargento, isto é histórico...

- Porra! Bota histórico nisso Tenente. É a primeira canoa que viaja para Marte. Será que atravessamos algum portal?

- Sei lá, Sargento! Talvez sim. Mas se isso aconteceu, foi quando me agachei para prender minha cinta-liga que estava frouxa depois daquele pega na proa.

- Aeromoça! – solicita o Sargento - Registre no diário de bordo que às 24h25 aportamos às margens de uma grande plantação de soja e que fomos tomados de súbito por uma névoa espessa que nos levou para um lugar lindo. Além disso fizemos contato visual com uma tribo desconhecida, talvez nova.

- Se é desconhecida é por que é nova, Sargento – corrige o Tenente com ares de conhecedor da língua portuguesa.

- Continue, Aeromoça – retruca o Sargento - Aparentemente não existe King Kong doido para rangar nossa única loirinha da tripulação. Aponte latitude xxºxx’xx”, longitude xxºxx’xx”, altitude 20.000 pés, temperatura externa 37ºC negativos, umidade relativa do ar 100% e velocidade de cruzeiro de 820 nós.

- Sim, Sargento! Mas essas coordenadas – observa a aeromoça loira - nos colocam em cima do Monte Everest a mais de 500.000m de altura. Ou seja, em plena órbita terrestre senhor! Tem certeza das coordenadas? Na realidade, tem certeza de alguma dessas informações?

- Obviamente que não! Pensei na data de nascimento dos meus pais como forma de homenagem e outras datas de parentes próximos. Mas cá para nós! Se o que vemos está correto, realmente estamos fora de nosso planeta, senhorita. A propósito: casada, solteira ou...

- Livre, leve e solta, Sargento! Depois que fui demitida da VARIG estou até mais leve. Não ando comendo muito por falta de dinheiro e emagreci uns quilinhos! Mas existe um lado bom, pois comida de bordo engordava muito. Tanto a do comandante, quanto o amendoim com guaraná. Mesmo com aquela barrinha de cereais para fazer coco, ainda assim eu engordava. Mas agora estou light e bem mais gostosinha.

- Que judiação! Gostosíssima. Mas não conseguiu aquela boquinha de posar peladinha para revista masculina?

- Não, a concorrência estava maior do que arranjar nova vaga em outras companhias aéreas.

- Que pecado! Mas já que estamos na selva a senhorita sinta-se à vontade, afinal índio anda nu. Eu mesmo estou com um calor dos infernos e acho que vou ficar nu.

- Não posso, Sargento. Isso vai contra todos meus princípios religiosos. A não ser que queiram fazer uma vaquinha e tentem subornar minha idoneidade evangélica e corromper meus profundos pensamentos de fé. Não fico pelada a torta e a direita...

- De quanto seria essa vaquinha pra deixar de ser direita?

- Quinhentinho tá de bom tamanho. Mas estou aberta a negociações... E nem precisa ser no cash. Aceito vale transporte, ticket restaurante, vale pedágio, ficha telefônica, cartão pré-pago de celular e títulos da dívida pública. Mas confesso que nunca fui boa em transações comerciais e por conta disso espero que não abusem de minha ingenuidade. Sempre levei cano.

- Depois falamos disso, então. Os marujos estão na maior fissura e vai ter que negociar Tem até Tenente querendo virar noiva de marinheiro. Por hora vou jogar um balde de água fria no neném e pedir que a senhorita mande um email para a superintendência do Alto comando com a seguinte mensagem:

“Posto que o Sargento-mor desta MERDA, e assim os outros tripulantes escrevam a Vossa Senhoria a notícia do achamento desta Vossa tribo nova, que se agora nesta navegação achou, não deixarei de também dar disso minha conta a Vossa Senhoria, assim como eu melhor puder, ainda que -- para o bem contar e falar -- o saiba pior que todos fazer! PONTO.

A feição deles é serem verdes, um tanto fluorescentes, de bons rostos e olhos grandes, sem narizes, sem orelhas e boca miúda. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixar de encobrir suas vergonhas, também miúdas, do que de mostrar a cara. PONTO.

Acerca disso são de grande inocência. Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala e eles a nossa, seriam logo cristão, visto que não têm nem entendem crença alguma, segundo as aparências. Eles não lavram, nem criam. Nem há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem outra nenhuma alimária que seja costumada ao viver dos homens, nem comem senão dum inhame - que aqui há muito -, e duma semente e frutos que a terra e as árvores lançam de si. PONTO.

E com isso andam tais, tão rijos e tão nédios que não o somos nós tanto, conquanto comamos trigo, legumes e todos essas porcarias enlatadas e conservantes modificados geneticamente. Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a névoa em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d'agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem! PONTO.

Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente, inserindo-os nos planos de preservação da FUNAI. E esta deve ser a principal semente que Vossa Senhoria em ela deve lançar. PONTO.

Um puta abraço em Vossa Senhoria. PONTO.

Deste Porto Seguro, da Vossa Terra de Vera Cruz, depois Brasil, hoje, sexta-feira, dia corrente do mês corrente do ano corrente. Sargento!” PONTO.

- Que lindo sargento! Estou em lágrimas em face de tamanha poesia lúdica, de momento textual tão sublime, de tão harmoniosa combinação de palavras para informar ao alto comando que achamos uns homenzinhos verdes carnívoros colecionadores de cabeças. Só não entendi porque tanto PONTO, afinal tratasse de um email. Saudades do telégrafo? – comenta o Tenente.

- Está chorando bem? Que sentimentalismo! Poesia lúdica? Você nem sabe o que é isso seu ignorante. Claro que me expressei como um verdadeiro desbravador, um mestre dos mares, um navegador das estrelas, um Prêmio Nobel de literatura, um sertanista do mundo moderno. Estudei em Harvard, Cambridge, Oxford, Princetown, Sourbone, fiz Mestrado em Itu, Doutorado em Bragança Paulista e sou PhD em Secretariado Bilíngüe pelo Instituto Universal Brasileiro. Quer o que? Sou conhecedor dos verbetes de nossa língua, das expressões idiomáticas mais complexas, do arcadismo textual contemporâneo, do cinema-novo, da bossa-nova e da tropicália latina influenciada por gregos e troianos que permeiam nossa tão surrada língua da pátria mãe gentil. Se quer saber, domino português pra caralh...

- BRAVO SARGENTO! BRAVO! BIS! BRAVO...

- Queria que eu mandasse um email ao alto comando dizendo: “Descobrimos vida em Marte. PT saudações.”?

- Não Sargento. Adorei o contexto. Parece Caminha...

- Mas é Pero Vaz. Não acha que esse momento precisa de certa dose de romantismo lírico e aguçada percepção histórica?

Enquanto trocavam carícias verbais por conta do achado, observaram a aproximação de um verde que destoava de todo restante. Não era camisa do Palmeiras, tampouco do Juventude. Nem cactus, nem samambaia, nem Zé Carioca, nem alguma espécie de musgo selvagem apavorante. Parecia um ET grande. Um Etesão! Talvez o líder ou a líder gay da colônia de férias do Guarani. Saiu da mata camuflado, passou por cima de uma ponte preta e sutilmente apontou para a merda. Não! Não! Não apontou para a tripulação de MERDA, mas para a merda da ponte preta cheia de antas dormindo umas sobre as outras. Todas ligeiramente embriagadas e coçando o saco sem fazer nada...

- ET FONE HOME... ET FONE HOME... – começou a gritar o Tenente olhando para o esverdeado Peri sem Ceci.

- Pare com isso seu Tenente imbecil! Não percebe que são Alliens Selvagens? Não entendem uma palavra! Principalmente inglês. Estamos na Amazônia, não no Colorado. ET fone home! Onde já se viu usar Spielberg aqui na floresta.

- I SPEAK ENGLISH – expressou o esguio canibal.

- QUEM DISSE ISSO? – perguntou o Sargento.

- HELLO! HERE. – observa o gafanhoto canibal.

- What? Are you speaking with me? – murmurou o Sargento!

- I SPEAK PORTUGUESE TOO – completou o canibal green.

- O que ele disse Sargento? – perguntou o Tenente

- Que ele é poliglota. - espanta-se o Sargento boquiaberto com tamanha descoberta – What is your name?

- CHARLES DARWIN – responde o aborígine.

- THAT IS IMPOSSIBLE. HE IS DEATH!

- WRONG! I AM ALIVE.

- MY MOTHER OF SKY!

- Quis dizer Minha mãe do Céu? – corrige Darwin sorrindo.

- YES, YES! DO YOU UNDERTAND?

- Já não disse que falo português? – indaga o irritado ET.

- I KNOW, BUT I LIKE SPEAK ENGLISH – observa alegremente o Sargento sem conter os olhos em lágrimas.

- Fale em português, pombas! E não precisa gritar. Sou velho mas não sou surdo. Mania de achar que velho e cego são surdos.

- OK! I WILL STOP NOW.

- ENTÃO PARE COM ISSO, IMBECIL – ordena o canibal

- Sim, sim, sim... Já parei. Não estressa.

Ao final do breve diálogo, Darwin dá um brado retumbante. Momento que milhares de fluorescentes Etesinhos saem de tudo que é buraco. Uns saem até do buraco dos outros, interrompendo a cobertura para outra hora. Todos se aproximam de Charles e a seu comando reverenciam toda a tripulação...

- UARRARRA! UARRARRA! UARRARA! HAMMMM! UARRARRA! UARRARRA! UARRARRA! HUMMMM!

- Estenderam um tapete verde para a gente, Sargento. Olha como são hospitaleiros.

- Isso é grama seu imbecil. GRAMA!

- Como queira. Sargento estressado...

Nesse instante, o Tenente entra correndo no camarim e volta paramentado como Jesuíta do descobrimento. Hábito preto, um colar com crucifixo, uma bíblia e água benta..

- Rapazes, peguem os espelhos, uns colares de contas, umas bíblias e vamos começar a corromper esses indígenas com vícios da carne para depois oferecer a absolvição dos pecados da mente através da evangelização. Primeiro vamos ensiná-los a negociar, depois a se arrepender e por último a se ajoelhar, rezar e se arrepender dos pecados que nunca souberam que existiam...

- QUI QUIÉ ISSO TENENTE?

- Sou um Tenente de muitas facetas. Agora sou Anchieta o catequizador. O salvador de almas perdidas. Quero evangelizar...

- E se continuar assim vai virar Antonieta. Maria Antonieta! Cale-se antes que decidam salvar sua alma separando o corpo da sua cabeça. Essa é uma tribo de selvagens decaptadores escolhedores e encolhedores de cabeças.

- Aquela Maria Antonieta dos brioches? – pergunta o Tenente.

- Exatamente. Aquela da guilhotina, seu imbecil. Fique quieto.

- Nada disso meu caro, Capitão – comenta Darwin – Esta tribo não encolhe cabeças, tampouco é antropófaga. Está certo que vivem a comer uns aos outros, mas é só acasalamento ou sacanagem GLS. Não se preocupem. Quem manda nessa parada sou eu e esse negócio de comer carne humana é coisa de puteiro urbano lá da cidade grande. Aqui o babado é outro...

- Então foi mal – corrigem Sargento e Tenente.

- Os senhores devem estar confundindo nossa sociedade alternativa com a tribo dos Jivaros nos Andes Equatorianos e Peruanos. Eles encolhiam cabeças para fazer amuletos da sorte. Mas é perceptível que não deu certo, pois foram extintos durante a invasão espanhola. Teoria da evolução.

- Desculpe, Sir Charles – observa o Sargento – Então essa tribo não decapita ninguém! Que bola fora...

- Nada disso, meu caro Capitão – corrige Darwin – Degola sim! Mas não encolhe não. Na realidade aumentam a caixa craniana para potencializar a massa cinzenta. Teoria da evolução. Mas não se preocupe, pois aqui não se arrancam as bolas antes. Deve ser outra tribo que, a bem da verdade, nem quero conhecer.

- OK! MAS QUI QUIÉ ISSO DARWIN?

O Sargento falava da baita nave espacial fincada no chão igual a um meteoro quando entra em colisão com a terra. Lembram quando a estrelinha do Super-Bebe de Cripton atingiu a fazenda dos pais adotivos do futuro Super-Homem? Bem, essa nave era uma estrelinha bem maior, mas o impacto profundo era o mesmo.

- Cobras e lagartos! - espanta-se o Sargento.

- Melhor “raios e trovões”! – corrige Darwin – É a nave espacial dos meus amigos verdinhos.

- Sargento! De onde veio essa nave espacial? – Pergunta o Tenente já vestido com roupa de astronauta.

- Obviamente do espaço. – responde Darwin.

- Sideral? – pergunta o Sargento.

- Por Sherlock Holmes! – exclama Darwin – Vamos continuar nesse diálogo inútil ou partiremos para um texto Shakesperiano? É claro que do espaço sideral. Mais exatamente da constelação de...

- Netuno – completa o Tenente.

- Não!

- Alfa Maior – observa o Sargento

- Não!

- Agora é novamente minha vez. Aquário – chuta o Tenente

- Não! Não! Não!

- Voltou para mim. Saturno – rebate o Sargento.

- Não!

- Plutão. Constelação de Plutão – rebate o Tenente.

- Calem-se, calem-se, calem-se, calem-se! Vocês estão me deixando louco. Plutão nem é mais planeta, quanto mais constelação. Constelação de Proteus, Alfa Centauro, Cassiopéia, Andromeda... O que importa? Veio de uma constelação distante e ponto final. Uma constelação longe para cacete.

- Caracas! Então viajaram bem mais que a gente! – comentam os tripulantes de MERDA.

- Mais ou menos! É longe, mas é perto.

- Como assim? – novamente combinam as patentes e demais soldados rasos da expedição.

- Vieram parar aqui assim como eu e os outros personagens da história. Passaram por um portal estelar, uma janela do tempo...

- Uma abertura para outra dimensão! – completa o Sargento

- Uma fenda no espaço-tempo! – reitera o Tenente

- Isso mesmo! Um buraco no Universo em constante evolução que liga mundos paralelos que são côncavos e convexos entre si mas que convergem para uma única zona de transferência eletrostática atemporal. Uma área X a misturar tempos e mundos...

- Darwin, você arrasou com a teoria – elogia o Sargento – Mas não entendi esse papo de outros personagens.

- Concordo em gênero, número e grau – completa o Tenente – Mas outros personagens? Quais? De história em quadrinhos? Não acredito! Posso conhecer então o Pernalonga, Mickey Mouse, Cebolinha, Buzz Lightyear, Shrek...

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