Capítulo 00000111

Foi a segunda antes que o dinheiro fosse depositado no paraíso fiscal das Ilhas Jersey sob o codinome RED RUBY NEW, pois RED RUBY um já era reserva de domínio de família tradicional paulistana. Um FAX direcionado ao Kremilin autorizava a MERDA do Comandante da KGB, que já havia mandando preparar toda a logística e estratégia de assalto à MERDA brasileira, mas que ainda aguardava o pardal para pagar os fornecedores públicos locais que não trabalham com cheque, cartão, duplicata, nota promissória ou qualquer forma de pagamento que não seja dinheiro vivo, verde e verdadeiro.

- Pronto, Comandante! Estamos esperando suas ordens para dar início à perseguição implacável e avassaladora àquela MERDA.

- Implacável e avassaladora? Onde escutou isso?

- No horário eleitoral brasileiro. Existe uma companheira de nosso bloco que adora esses jargões contra o neo-liberalismo...

- Deixemos isso de lado, pois o comunismo sucumbiu. Mostre-me qual é a embarcação que você descolou desde nossa última transmissão via satélite espião.

- Ultima transmissão?

- Ultima! O TRE confiscou nosso sinal para testes de transmissão das planilhas de totalização das próximas eleições. Espero que não confisquem também nosso barco, pois são loucos para democratizar o patrimônio privado...

- Patrimônio privado? Está equivocado senhor...

- Como equivocado? Contratamos uma embarcação. Então é nossa, correto? Patrimônio privado!

- Mas ou menos senhor! Olhe no monitor...

Nessa hora o Comandante depara-se com a visão aérea de um barco de junco saindo do trapiche de Manaus. Velas hasteadas e vento em popa a levar a tripulação no encalço da MERDA muito a sua frente. Um junco cortando as águas rumo ao interior da Amazônia. Quem sabe voltando as origens do Titicaca...

- Que geringonça é aquela Coadjuvante?

- Foi o máximo que pudemos arrumar com o tempo disponível Comandante. Molhamos a mão de uma servidora pública, uma tal de Jursicleide que trabalha no setor do patrimônio do estado. Na realidade não molhamos só a mão. Tivemos que dar um trato na baranga, pois ela disse que só liberaria se mostrássemos o poder de invasão dos agentes da KGB...

- E daí? Comeram a nativa?

- Não foi fácil, Comandante, mas oportunizamos que ela sentisse o armamento russo. Não teve jeito. Além do pardal em espécie ela queria agradar uma espécie de pardal. Veio com uma história triste de estar aguardando um Tenente que prometeu mundos e fundos, principalmente pelos fundos. Estava doida para apagar o fogo que devasta a floresta nativa. Foram precisos dezoito membros da equipe para cessar aquela queimada...

Longe dali, mas muito longe dali, o dilema era o que fazer com aquele corpo estendido no convés da canoa. Uma anta abatida no chão. Antes que o Green Peace, WWF ou SOS Mata Atlântica aparecessem para reclamar o corpo, decidiram esconder a bichinha no freezer, até porque, apesar de fedida, carne de anta é uma delícia e um amazônida que se preze é chegado numa caça para encher o bucho com farinha.

- Sargento, ela já está no freezer. – informa o Tenente ainda com aquele espartilho indecente...

- Mas colocou num saquinho plástico, seu nojento imoral?

- Coloquei Sargento! Mas o biólogo da equipe gostaria de dar uma olhada na paca.

- Mas aquilo não é paca. É uma anta!

- Não! Ele quer olhar a paca da anta. Achou muito parecida com a paca humana e gostaria de fazer alguns exames.

- Exames? Não sabia nem que tinha um biólogo na expedição e agora ele quer “examinar” a paca da bicha.

- Porque usou essas ASPAS Sargento?

- Por que aqui parece que só existe doido. Não duvido nada ele fazer exame de toque na periquita.

- Anta Sargento!

- Disse periquita da Anta Tenente!

- Não! Toque ele já fez enquanto eu a colocava no saquinho. Agora ele quer ir mais fundo na exploração científica.

- Mais fundo? E que filme ele quer imitar? Allien?

Enquanto discutiam a canoa seguia, mas a paisagem foi mudando drasticamente. Centenas de sequóias milenares, milhares de carvalhos seculares e uma penca de bananeiras foram dando lugar a uma paisagem chapada de um enorme campo de cultivo de soja... Estavam entrando nos domínios do Parque Nacional das Antas, mas a desertificação do terreno e a gigantesca monocultura indicavam que aquilo mais parecia a Chapada dos Viadeiros.

- Quanta soja! – observa o observador Tenente - Quando desviamos para o Pantanal do Mato Grosso que eu nem percebi?

- Imbecil! Estamos na Amazônia. Ficou tão excitado naquela proa que perdeu o rumo? Mas felizmente nosso barco é equipado com navegação automática via GPS. Deveríamos estar na altura Solimões, mas o que observo é que estamos no Sosoja... Localize essa chapada no GoogleMap e me diga de onde é que veio isso...

- Chapada?

- É, chapada! E não me venha com piadinhas sobre drogas! Chapada é uma coisa grande, um acidente geográfico, sei lá...

- Chapadas são formações rochosas elevadas acima de 600 metros que possuem uma porção bem plana na parte superior. A causa pela qual a superfície da chapada seja plana são as erosões.

- Quem foi que disse isso?

- Eu!

- Eu quem?

- Eu aqui, ó!

E, lá de dentro do barco, o cabo estava sentado na frente do computador, pesquisando no Google.

- Chapada eu encontrei, mas Sosoja não. Encontrei só uma tal de Sósoja, que é uma fábrica de soja ou algo assim. Mas a página não abre.

- Não abre, é?

- Não.

- Pois então, a gente vai lá ao vivo mesmo. Estacionem o barco. Ou atraquem, ou façam lá o que se faz com os barcos quando queremos desembarcar.

- Mas onde é que a gente vai?

- Vamos entrar aí, no meio dessa plantação de soja. Já ouvi falar dessa tal de Sósoja. Eles fazem uns experimentos esquisitos aí dentro. Alguma coisa com transgênicos. Um atentado à natureza.

- Vai dizer que o senhor é desses natureba, sargento?

- Não, não sou, mas essas antas, pra mim, não parecem muito normais, você não acha? Onde já se viu uma anta sair da água com as mãos estendidas para pegar seu filhinho? Uma que as antas são quadrúpedes e, teoricamente, se elas levantassem os braços, caíam de cara no chão. E outra que...

- EU sou natureba.

- O que foi, tenente?

- Eu sou natureba. Não como coisas transgênicas.

- Ninguém está aqui dizendo que a gente vai comer a soja...

- Ou as antas.

- É, nem as antas. A gente só vai investigar aí essa plantação. Vai ver, as antas andam se alimentando dessa soja modificada aí, e andam sofrendo transformações genéticas! Essa teoria explicaria muita coisa!

- Vejam só, o sargento tem uma TEORIA!

- É, tenho. E ela faz essa zona toda até ter algum sentido. Explicaria as antas esquisitas. Explicaria porque houve aquela rebelião num presídio de segurança máxima, já que os prisioneiros eram alimentados com soja da Sósoja! Explicaria também aqueles tumultos na cidade, com aquele pessoal que quer vender a Amazônia pros gringos: eles podem estar querendo usar a tecnologia da Sósoja como armamento ou coisa parecida... E aqueles assassinatos com rituais indígenas? Oras, talvez sejam os índios que ficaram sem terra por causa das plantações de soja e agora estão invadindo as terras do homem branco em busca de vingança! Entende? É nessa plantação que está a chave de tudo!

- Puts, sargento, eu nem lembrava dessas coisas todas...

- Eu tenho tudo aqui anotado na minha cadernetinha, tenente.

- Ah, parabéns. É muito bom saber que alguém aqui é um pouco organizado.

- Então, joguem a âncora. Vamos começar logo essa porra de excursão! Ou Missão Exploratória ou a porra que for!

- Hã?

- O que foi que você não entendeu, tenente?

- Eu? O senhor deve estar enganado. Eu entendi tudinho dessa vez... Timtim por timtim.

- Ah, você está chamando a antinha?

- É.

- Então pega logo ela e vamos com isso.

- Hã? Hã? Vem meu amor. Vem com o titio...

- Titio? Tenente, é a primeira coisa sensata que você disse desde que lhe conheci.

- Verdade Sargento? Fiquei emocionado.

- Ah vá! Vamos logo com essa anta e cuidado na hora de descer que existem muitas...

- CUIDADO SARGENTO...

Blau, punct, pafe, bam, bam, catabum...

- Cacete, escorreguei nesse musgo.

- Alguém filmou, alguém filmou?

- Filmar meu tombo para quê, seu Antio?

- Para mandar para as Vídeo-Cassetadas do Faustão, Sargento. Foi bacana. Machucou?

- Macho não se machuca, Tenente. Mas confesso que bati o cócix e está doendo.

- Cócix? O que é isso Sargento?

- O ossinho perto do cu, Tenente. Nossa herança de rabo que foi desaparecendo durante nosso processo evolutivo. Teoria de Darwin. Leu isso na escola?

- Sobre Darwin ou sobre o osso do cu?

De repente uma névoa misteriosa tomou conta do ambiente e o cenário começou a mudar. Os equipamentos eletro-eletrônicos ficaram confusos, um dos marujos, que possuía um implante de marcapasso caiu de infarto fulminante e outro, com uma prótese peniana, ficou fissurado querendo pegar alguém a todo custo.

- Sargento, de onde veio todo esse gelo seco?

- Sei lá Tenente. E isso não é gelo seco. É névoa, imbecil.

- Mas névoa na Amazônia? Será de alguma queimada?

- É névoa, não fumaça. Nunca sentiu cheiro de névoa?

Quando a espessa névoa começou a se dissipar e o horizonte começou a aparecer, a equipe se admirou com o que viu.

- OHHHH... Que lindo!

- OHHHH... Raios! Que maravilhoso...

- OHHHH... Por Deus, que coisa fantástica...

- OHHHH... Magnífico!

- AIIIIIIIII...Cacete! Pisei num cacto. ALGUÉM TEM UMA PINÇA? – perguntou o Tenente querendo chorar.

Um pedaço de chão amazônico intacto, mesmo após anos e anos de insistente devastação de madeireiros asiáticos em toda a região. Parecia uma floresta de mata imaculada com características selvagens da época do onça. Também da época do arara-azul, do peixe-boi da cara preta, do mico-leão-dourado do papo amarelo e tantas outras épocas da época do saudoso guaraná de rolha, o mais puro e natural guaraná da Amazônia.

Incrustado nesses quintos do Brasil estava a desconhecida tribo dos canibais colecionadores de cabeças. Alguns afirmavam ser lenda a existência de tais aborígines, mas caboclos e parteiras tradicionais haviam contado de geração em geração a história de sua existência, assim como fazem a repeito do Boto, da Iara, do Saci-Pererê, da Cobra Grande e da Loira do Banheiro com algodão na boca. Muitos garantiam que a Mula-sem-cabeça teve sua origem nessas paradas, pois os não-vegetarianos tribais, em meio à entressafra humana, encaravam qualquer outra jumento que se aventurasse invadir sua névoa.

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